João Humberto Martorelli

Sadness - Amy Marie Adams

Sadness – Amy Marie Adams

A pena não escreve desesperança. Insisto, obstinado. O melhor momento da tristeza é poesia, procuro, procuro, mas a alma esvaziada desaquece, o eclipse lunar nada mais é do que a lua rosada por trás dos altos ramos, ora Pessoa, quem te entenderia, a devastação é plena, cívica, concreta. A pena desescreve desesperanças, rodeia choros, assunta descaminhos, disfarça, engana, faz que vai, não vai, não se dá. O vazio é cada vez mais concreto, acintoso, desrespeita, afronta, faz adoecer, dá vontade de beber chá, fumar um cigarro, um cachimbo com Half & Half, elitizar a palavra? pensar, espreitar, sim, espreitar pode ser a bela tentativa, até quando? Ela não dá sinais. Belo dia, bela noite, o homem que abriu a barreira do muro de Berlim se chama Harald Jaeger e a idiotice militar pedia autorização superior para liberar a passagem, passamos todos, para onde? bem se vê que a história também não serve, ela que se recicla de forma igual, antes, gritávamos Stalingrado, Drummond celebrou a cidade, 1917, Maiakovski ofendendo o burguês: come ananás, mastiga perdiz, teu dia está prestes, burguês, tudo desandou, o povo foi atrás da perdiz, o povo não é comunista, nunca foi, o povo é consumista, queria o real, mais deleite quando os cruzados igualaram as riquezas, quem diria, roubaram o país ali, roubaram o país acolá, continuam roubando o país. Tanta desesperança e a pena dá voltas, não traz a procurada: Ariana, a mulher, o homem sentindo-se mais de um, talvez dois, três, talvez a multiplicação de cinco em cinco mil e cujos restos encheriam doze terras, não, o verso de Vinícius não é a desesperança, é a palavra já dita, Drummond, Maiakovski, Vinicius, a cabeça gira e gira e gira, não tem jeito de a mente ficar livre, não escreve, não escreve, não escreve. Se não escrevo, explico, enfim, não é porque deixei de te amar, ou porque se perdera a inspiração, a maré está cheia, Chico, Caetano e Milton se calaram ou se tornaram medíocres, a música dos Beatles é a saudade, ou porque tenha pouco tempo, muito menos que na juventude, é curioso isso, para Mahler e Liszt, serenatas, cirandas, namoros na calçada, o pai da namorada gritando está na hora, nem porque tudo já está escrito, ou a história se recicla nivelada, tempos em tempos, ou porque comunista é tudo igual, e burguês também. É que estou no quintal dos medíocres, o ambiente hostil, a lama a todos os ventos, a fome alimentando as panturras dos deputados, a mulher desorientada no comando do nada, o crime institucionalizado, o juiz dando murros em ponta de faca, a faca cega, o chão se abrindo, e todos afundando a uma só voz. Na verdade, não sabemos mais o destino, nem nos preocupamos mais com ele. Cada vida é uma vida, a unidade se enterrou. Por isso, eu quero, preciso escrever sobre desesperança. Mas a pena não escreve, a pena recusa, ela ordena, mansa, a inércia. E me calo. Entendo, e me calo.