Ester Aguiar de Sousa

O ECA –Estatuto da Criança e do Adolescente do Brasil – completou vinte e cinco anos, desde que foi sancionado no dia 13 de julho. Nesse período, o que mudou na realidade dos nossos menores?

Hoje, de acordo com o último Censo Demográfico, as crianças e adolescentes compõem cerca de 59,7 milhões da população. Sua presença vem contudo diminuindo com relação à composição etária do país, pois representavam 45,0% da população brasileira na época do surgimento da lei, e hoje 33%

Para começo de conversa, vale salientar que a desigualdade social no país ainda é  muito forte, afetando a forma como crianças e adolescentes se deparam com chances de vida. O Brasil, segundo analistas, continua como um país onde as desigualdades se mostram, ainda, de forma cruel.  Isto pode ser demonstrado pelo fato de que, sendo brancas, 37 % de nossas crianças e adolescente vivem na condição de pobreza; porém, sendo negros e pardos, essa cifra sobe para 61%. Nessa diferenciação da cor da pele resulta uma grande desigualdade de oportunidades de vida digna e com segurança, como pretende assegurar a lei.

Nesses anos analisados, podemos ver que alguns avanços podem ser constatados, onde se destacam a queda na mortalidade infantil, que foi reduzida significativamente neste período. Esta taxa caiu, para a mortalidade entre 0 e 1 ano, entre 1990 e 2012 em 68,45, chegando a 14,9 óbitos para cada grupo de mil crianças nascidas. Mesmo tendo avançado, o país ainda não atingiu a meta estabelecida pela OMS, que é de 10 mortes por 1.000 nascimentos, mas, em todo o caso, superou os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, antes do prazo estabelecido.

A desnutrição infantil ainda é a principal causa da incidência da mortalidade infantil, no Brasil, onde predominam casos de óbitos por diarreia, infecções pulmonares e malária. Dentre os grupos mais atingidos, destacam-se as crianças indígenas, que têm a possibilidade de morte antes de completar um ano, duas vezes mais alta do que outras crianças nascidas no país.

Na educação vemos alguns indicadores que apontam para a melhoria do sistema, pois o acesso à escola foi garantido a 93% das crianças e adolescentes do ensino fundamental. Entre 1990 e 2013, o percentual desta população inserida na idade considerada obrigatória que não frequentava a escola caiu em 64%, passando de 19,5%, em 1990, para 8,5%, em 2013.

Também a taxa de analfabetismo para o grupo de idade entre 10 e 18 anos sofreu uma queda considerável, na faixa de 88,8%, passando de 12,5%, para 1,4%, no período. Também vale salientar que, entre os adolescentes negros, esta queda ainda foi mais acentuada, representando 91,0%. Mesmo que as desigualdades de oportunidades continuem, isto representa um avanço.

No entanto, sabemos que a defasagem idade-série ainda é um problema para a educação no país. Muitos dos adolescentes que têm idade para estar cursando o ensino médio, ainda não conseguiram concluir o ensino fundamental e os motivos vão, desde a necessidade de trabalhar para a própria sustentação, como para o complemento da renda familiar, pela gravidez na adolescência, e também pela pouca atração que as escolas apresentam, muitas oferecendo condições extremamente precárias de funcionamento.

Sabemos, ainda, que mais de 3 milhões de crianças e adolescentes estão fora da escola, e, na maioria representam segmentos dos menos favorecidos socialmente; são pobres, negros, indígenas, quilombolas, em sua maioria, que deixam de estudar para trabalhar, que possuem algum tipo de deficiência ou necessidade especial, e vivem nas periferias urbana, no Semiárido, na Amazônia e na zona rural.

Com relação ao trabalho infantil, foram feitos muitos avanços. Entre 1992 e 2013 o trabalho de crianças entre 5 e 16 anos caiu de 5,4 milhões, para 1,3 milhões, o que representa uma redução de 14,6%, para 4%.

No entanto, o problema mais grave que afeta as nossas crianças e adolescentes é a forma como elas estão envolvidas com a violência que a cada dia toma conta desse país. Elas são, sem dúvidas, as maiores vítimas dessa guerra de insegurança que vive o cidadão brasileiro. A incidência de homicídios praticados contra os adolescentes é alarmante. De 1990 a 2013, as mortes por assassinato nessa faixa etária passaram de 5 mil para 10,5 mil casos ao ano, o que representa um aumento de 110%, no período. Isto significa que, pelos cálculos, 28 jovens são assassinados por dia, no país.

Segundo os dados oferecidos, dentre as identificações da causa mortis desses adolescentes por motivação externa, 36,5% são provocadas por assassinato. Isto representa 4,8% do total de homicídios acontecidos no país. Sabem o que este índice significa, num ranking internacional? Que o Brasil só fica em segundo lugar porque a Nigéria tem uma taxa superior (segundo dados do HiddenPlainSight- UNICEF-2014). E, pior, esses adolescentes também entram nas estatísticas de práticas de violência, o que tem chamado a atenção de toda a população.

Segundo os preceitos do ECA, foi estabelecido um modelo que responsabiliza penalmente o menor infrator, entre 12 e 18 anos, submetendo-os a medidas socioeducativas, desde que haja comprovação da autoria e da materialidade da infração cometida. É sabido, no entanto, que a Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducetivo (Sinase) não é aplicado de forma efetiva, criando prisões sem condições mínimas que possam reeducar esses jovens recolhidos. São, por todo o país, unidades superlotadas, sem condições de higiene e salubridade, onde as rebeliões são violentas e muito frequentes.

Quais os tipos de infrações mais cometidas por esses adolescentes? A maioria das autuações acontecem por roubo (40,0%); depois, por tráfico de drogas (24%). Os homicídios correspondem a 9% das infrações; seguido por ameaça de morte (6,0%); tentativas de homicídios (3,0%); furto (3,0%); porte de arma de fogo(2,0%) e latrocínio (2,0%).

Hoje, no país, se discute a mudança na idade a ser considerada maioridade para responsabilidade penal. O senado acaba de aprovar uma alternativa, conservando a idade limite para a maioridade, ampliando a possibilidade de ampliação do castigo por até dez anos. As duas propostas continuam em discussão e votação nas duas casas do legislativo.

Pode-se questionar, no entanto, como princípio de justiça: Nossas crianças e adolescentes são criminosos ou vítimas de uma sociedade desigual e injusta?