Teresa Sales
11 de dezembro de 2014

O filme Brincante está apenas em uma sala de cinema no Recife, uma no Rio de Janeiro, duas em São Paulo. Horários limitados. Não se aposta portanto em grande público.
Não é mesmo filme de grande público. Contudo, vale, e como vale a pena vê-lo. Nem que seja somente pelo motivo que levou o cineasta Walter Carvalho a filmá-lo: “Eu conheço o Antônio desde o Nordeste. Ele é pernambucano, eu sou paraibano. Mas eu o conheci pessoalmente no Rio de Janeiro, nos espetáculos do teatro Brincante. Eu estava na plateia, olhei para ele no palco e pensei: ‘Um dia eu tenho que fazer um filme sobre esse cidadão’. Ele fala sobre as coisas que eu vivi na infância e na juventude, quando morava na Paraíba. O maracatu, o Cavalo Marinho, o Bumba Meu Boi…”
Documentário? Ficção? Difícil classificar esse filme. Pouco apresenta da vida pessoal de Antônio Nóbrega. O pouco que ficamos sabendo de sua família é sutilmente apresentado em uma fotografia do casal com os dois filhos pequenos, seguida de uma cena de ballet da filha jovem com a mãe e depois de outra particularmente tocante pela emoção que passa, do pai tocando rabeca com o filho igualmente jovem acompanhando-o com o pandeiro.
As cenas, qual um musical – saquei agora: o filme é um musical brasileiro. As cenas se passam alternadas: entre estradas poeirentas e pequenas vilas do Nordeste por onde viajam o personagem Tonheta encenado por ele mesmo, Antônio Nóbrega, e sua companheira de uma vida, a atriz paranaense Rosane Almeida; e a vida urbana de São Paulo.
A viagem lembra outro belo filme brasileiro (digamos, uma “citação”) com o saudoso José Wilker, Bye Bye Brasil, dirigido por Cacá Diegues em 1979. É a parte do filme que fica mais próxima da peça apresentada pelo teatro Brincante pelo Brasil afora.

O inusitado para mim são as cenas de dança do grupo Brincante em locais públicos da cidade de São Paulo, tais como ruas, metrôs, o espaço aberto do Museu de Arte de São Paulo (MASP). Nessas cenas que o filme mais se assemelha a um musical, um belo musical em que os atores/bailarinos se misturam ao burburinho da cidade, de um metrô em movimento.

Aqui, cenas ensaiadas para o filme. Há contudo uma rotina do Espaço Brincante em São Paulo de apresentação de rua em certas épocas do ano. Vivi por poucos meses esta experiência, quando aluna do Espaço Brincante. Num grupo de Maracatu, desfilamos pelas ladeiras da buliçosa Vila Madalena em São Paulo. Os cursos de dança, teatro e canto são oferecidos principalmente para educadores, que os frequentam para entrar na fantasia de viver o nosso Brasil profundo e depois passar adiante às crianças nas escolas.

Conheci o espaço quando fui assistir a uma aula-espetáculo de Ariano Suassuna, aos primeiros tempos do Brincante. Resolvi então fazer algumas oficinas. Matar as saudades de minha terra. Contudo, as dobradiças já não aguentaram os exercícios para chegar pelo menos a alguma distância da agilidade dos jovens professores formados por Antônio Nóbrega e Rosane Almeida. Desisti no exercício de pular corda.

Agora o Brincante anda às voltas com o mercado imobiliário paulistano. Desde que se instalaram na Vila Madalena, foram fazendo as adaptações para a velha casa virar um espaço de escola e de apresentações. Estão intimados a desalojar-se para dar lugar a mais um edifício de apartamentos.

Mas voltemos ao filme. O melhor de “Brincante” é que desvenda a obra do pernambucano Antônio Nóbrega, ator, dançarino, músico, cantor e pesquisador que há 40 anos se dedica à cultura e à arte popular. Walter Carvalho soube mostrar tudo isso na forma como fez o filme. “Eu transformei a plateia na câmera. Antônio Nóbrega trabalha no teatro, para a quarta parede. A parte teatral e musical dele acabou se transformando na própria câmera. Por exemplo, tem um diálogo entre o personagem dele e a morte no filme. É só plano e contraplano, como no cinema clássico convencional. Não é um teatro filmado. É um cinema representado, interpretado, como em qualquer filme de ficção”.