Sérgio C. Buarque

Protestos contra o governo de Maduro em reunião do Mercosul.

Protestos contra o governo de Maduro em reunião do Mercosul.

Não se deve misturar comércio com ideologia. A entrada da Venezuela no MERCOSUL-Mercado Comum do Sul, em 2012, viabilizada pelos governos do Brasil e da Argentina, aproveitando a suspensão transitória do Paraguai (que se opunha ao ingresso daquele país), foi movida mais por ideologia que por interesse comercial. Junto com a Venezuela, o MERCOSUL ganhou o bolivarianismo, seja lá o que signifique este fantasioso “socialismo do século XXI”, contaminando as decisões politicas e emperrando os acordos comerciais do bloco. Como se não bastassem os próprios problemas econômicos dos países membros, o bloco comercial sul-americano tem sido dominado desde então por disputas ideológicas. Estas disputas se ampliaram agora com as mudanças políticas no Brasil e na Argentina, os dois grandes parceiros do MERCOSUL, que vão na direção oposta ao modelo venezuelano.

Às enormes dificuldades comerciais do bloco, fundadas nas grandes diferenças de política macroeconômica e de concepção de comércio exterior, se somam à profunda desorganização econômica e ao confronto político interno na Venezuela. A ideologia volta a contaminar as posições no bloco. Nesta semana, a maioria dos países membros impediu que a Venezuela assumisse a presidência do bloco, que cabia a este país no sistema de rodízio definido pelas regras do Mercado Comum. Existem argumentos políticos – quebra de normas democráticas e existência de presos políticos – e comerciais – não cumprimento de regras alfandegárias – mas a decisão é, antes de tudo, uma rejeição ao bolivarianismo.

Não se deve misturar ideologia com comércio. A Venezuela pode ser um grande parceiro. Mas a Venezuela boliviariana não cabe em um projeto de integração comercial como o MERCOSUL, quando os dois principais países parceiros apostam agora na política de estabilidade econômica e responsabilidade fiscal, e na abertura externa. A formação de um bloco comercial requer um grau razoável de convergência de política macroeconômica e de comércio exterior dos seus membros. E a Venezuela está na contramão dos outros países do bloco, com sua insistência no fracassado tabelamento de preços, na estatização das atividades produtivas (até da fábrica de papel higiênico) e no protecionismo comercial. Além disso, a economia venezuelana está completamente desestruturada, com a combinação perversa de aguda recessão (queda de 10% do PIB) e desenfreada inflação (crescimento de mais de 700% ao ano dos preços), o que impede sua integração comercial.