Cláudia Leitão

Em 2001, quando o inglês John Hawkins escreveu seu livro The Creative Economy- How People Can Make Money From Ideas (“Economia Criativa- Como as Pessoas Podem Ganhar Dinheiro a Partir de Ideias”, tradução livre), certamente não imaginaria estar produzindo um best seller. Mas, Howkins trouxe à baila uma reflexão sobre a qual ainda poucos haviam se debruçado e que, pouco a pouco, se banalizou nas discussões sobre desenvolvimento: a de que os bens e serviços produzidos pela imaginação ganhariam cada vez mais prestígio na sociedade do conhecimento do século 21.

 

Por isso, as discussões sobre as dinâmicas econômicas desses bens e serviços não tardaram em chegar à Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD) que lança o primeiro Relatório Mundial sobre a Economia Criativa – Creative Economy Report 2008, num esforço de aprofundar o conceito e de compilar informações e dados sobre a economia dos bens simbólicos dentro de uma perspectiva mundial. As indústrias criativas compreenderiam um conjunto de atividades baseadas no conhecimento, que produzem bens tangíveis e intangíveis, intelectuais ou artísticos, com conteúdo criativo e valor econômico.

 

Este Relatório foi um marco no reconhecimento da relevância estratégica da economia criativa como vetor de desenvolvimento, demonstrando, especialmente, a força das indústrias criativas, com uma média de 10% de crescimento anual. Essa mensuração, contudo, é fruto da compilação de dados produzidos pelos diversos países, sem a presença de uma cesta de indicadores e de um tratamento estatístico comum, o que fragiliza os resultados aferidos. Vale ressaltar que, neste Relatório, as metodologias quantitativas, em sua grande parte, somente capturam ou mensuram a produção de riqueza das indústrias, ignorando a participação dos micro e pequenos empreendedores, assim como a informalidade em que estão mergulhadas milhões de pessoas, em todo o planeta, que trabalham nesses segmentos.

 

Apesar da crise financeira mundial ter provocado queda drástica no comércio internacional em 2008, entre 2002 e 2011 as exportações de bens e serviços criativos cresceram, anualmente, em torno de 12,1% nos países em desenvolvimento, chegando a US$ 227 bilhões em 2011 (UNCTAD, 2013), destacando-se como um dos setores mais dinâmicos do comércio internacional. Apesar dos obstáculos que impedem sua expansão (baixa disponibilidade de recursos financeiros para o financiamento de negócios, o investimento insatisfatório em capacitação dos agentes atuantes nas cadeias produtivas, além da pouca infraestrutura, especialmente, no que se refere à distribuição e difusão dos seus bens e serviços), os Estados passam a investir nos setores culturais e criativos. Por conseguinte, segmentos como áudio-visual, literatura, música, moda, design, arquitetura, vão se tornando cada vez mais importantes na composição do Produto Interno Bruto (PIB) de alguns países. E é por essa razão que as indústrias criativas se tornaram eixo estratégico do desenvolvimento de países como a Austrália, China, Estados Unidos e Inglaterra.  Mas, em que medida latino-americanos, caribenhos e africanos podem dividir, com os países ricos, os dividendos produzidos por esta economia?

 

Em um mundo onde a exportação de commodities perde gradativamente sua importância frente à exportação de bens e serviços de alto valor agregado, estudos e pesquisas constatam a evolução da performance dos setores criativos mesmo em momentos de crise. Esses estudos anunciam a transformação do trabalho, a ampliação do setor de serviços e a necessidade da constituição de fundos específicos para o financiamento dos setores criativos:

 

  • Nos EUA, o desemprego cresceu em todas as categorias, mas os trabalhadores dos setores criativos foram os que menos perderam emprego e renda nos anos anteriores e posteriores à crise econômica de 2008. Nos setores que empregam mão-de-obra braçal e não-especializada o desemprego subiu de 5% para 9,3%, o dobro da classe criativa. (Cambridge Journal of Regions, Economy and Society, 2012)
  • Segundo estudo recente de pesquisadores da Universidade de Valência, um aumento de 1% na proporção de postos de trabalho nos serviços criativos incrementa entre 1.000 e 1.600 euros o PIB per capita. (La cultura como factor de innovación económica y social; 2012)
  • Programa “Europa Criativa” investirá €1,8 bilhão (2014-2020) para ampliar a competitividade dos empreendimentos criativos europeus e reforçar suas ligações com os segmentos industriais tradicionais. (Comissão Européia; 2012 in LEITÃO, 2013).

 

Longe de construir uma narrativa laudatória sobre as indústrias criativas e seu crescimento no mundo, este artigo objetiva refletir sobre os impasses conceituais e ideológicos entre as “indústrias” e as “economias” criativas. Avançar nas diferenças e não nas afinidades entre as duas expressões é uma urgência e, sobretudo, uma tarefa acadêmica. Senão, vejamos. Um importante paradoxo do novo século é certamente o papel dilemático das inovações tecnológicas no incremento da economia criativa. De um lado, o avanço tecnológico dá cada vez mais poder às indústrias do copyright, de outro, ele permite o acesso cada vez maior dos indivíduos à fruição e ao protagonismo cultural, gerando produtores independentes, prosumidores[1], novos empreendedores e empreendimentos no campo da cultura e da criatividade. Por outro lado, os Estados começam a conceber a cultura, não como um gasto, mas como um investimento, ou, ainda, como um recurso para atrair investimentos, gerar renda, embora sejam mantidos os privilégios e assimetrias entre povos e países.

 

Como se pode observar, e como bem adverte George Yúdice, a cultura é um recurso do sistema capitalista para manter a “lógica dos fins” (como assim a denominava Celso Furtado), em detrimento da “lógica dos meios”, isto é, as indústrias culturais reproduzem a lógica industrial da acumulação e da dependência, ao invés de produzirem redistribuição, colaboração ou solidariedade entre povos e nações.  Esta observação funciona como uma espécie de “contra-ponto” à visão um tanto “ufanista” sobre a força econômica cada vez mais significativa das dinâmicas econômicas dos bens e serviços culturais e criativos em países desenvolvidos, sobretudo, nos países em desenvolvimento.

 

Assim, nos países ricos, a temática das chamadas “indústrias criativas” vem sendo festejada e acolhida, exatamente, por ser percebida como uma etapa mais sofisticada do sistema capitalista. Desse modo, não é de se estranhar que nesses países, não se fale muito de economias criativas, mas, sim, de indústrias criativas, aquelas caracterizadas pelo valor agregado da cultura e da ciência e tecnologia na produção de seus bens e serviços, assim como pelo copyright, ou seja, pela proteção dos direitos do autor/criador. Essas indústrias vêm sendo valorizadas pela sua performance econômica, embora não venham demonstrando capacidade de produzir inclusão social.

 

A expansão das indústrias culturais e criativas não beneficia equitativamente a todos os países nem regiões. Ela gera desigualdades econômicas, contribuindo para a manutenção de desequilíbrios históricos no acesso à comunicação, à informação e ao entretenimento, provocando o declínio da diversidade cultural. Assim, a exportação dos produtos das indústrias culturais (músicas, telenovelas, filmes), que se dá através da indústria transnacional (escritores argentinos, colombianos e chilenos que publicam livros através de editoras de Madri ou Barcelona, de africanos que gravam CDs em Paris), é fruto da “desterritorialização” da cultura. Vale ainda ressaltar um dos maiores paradoxos do consumo cultural planetário: enquanto alguns produtos culturais vendem aos milhares e milhões, fecham-se teatros, cinemas, livrarias, bibliotecas e centros culturais em todos os continentes.

 

A América Latina, o Caribe e a África, por exemplo, não conseguem se converter numa economia mundial de escala, com capacidade exportadora. Ao mesmo tempo, a hegemonia das indústrias proprietárias de redes de telecomunicações, editoras ou dos canais de televisão nem sempre têm compromisso com processos educacionais, contribuindo para a alienação dos indivíduos e a ampliação do consumo de produtos culturais de baixa qualidade. Como se vê, as indústrias criativas somente reforçaram o abismo entre ricos e pobres, especialmente, entre os países dos hemisférios Norte e Sul.

 

É necessário não se perder de vista que as dinâmicas econômicas dos grandes conglomerados transformam alguns países em produtores e exportadores, enquanto outros são consumidores passivos de bens e serviços estrangeiros. Em 1984, o então ministro da cultura do Brasil, o economista Celso Furtado, em um encontro com os secretários da cultura dos estados brasileiros, afirmou: “Sou da opinião de que a reflexão sobre a cultura deve ser o ponto de partida para o debate sobre as opções do desenvolvimento” (D’AGUIAR, 2013). Furtado dialogou, ao longo de sua vida, com as Ciências Sociais, a Filosofia, as Artes e a Cultura, num esforço maior de compreender do que de explicar as armadilhas do capitalismo e de suas consequências para os países latino-americanos. Na base do seu pensamento sobre desenvolvimento percebemos a influência intelectual de Amartya Sen, seu colega em Cambridge, nos anos 50, especialmente, no que se refere à compreensão de desenvolvimento como ampliação das liberdades humanas.

 

No seu livro “Criatividade e Dependência nas Sociedades Industriais”, Furtado (1988) afirma que a política cultural tem por finalidade liberar as forças criativas da sociedade. Liberdade de criar é, pois, da essência do conceito de desenvolvimento e insumo para a transformação social. Furtado vai ainda mais longe quando traz para o seu projeto de desenvolvimento a retomada da atividade artística enquanto “promessa de felicidade”. Ressalta, ainda, a importância da construção de novas atividades políticas, de novas relações de gênero, inclusive de uma nova ecologia. É quase profético o pensamento de Furtado na sua advertência às consequências nefastas dos modelos de desenvolvimento do século 20: a concentração de renda e de riqueza, a sonegação dos direitos sociais, a precarização do mundo do trabalho e a subalternidade da inserção internacional.

 

Furtado lutou, ao longo do século 20, por um modelo desconcentrador onde a diversidade cultural pudesse ser tratada como um insumo estratégico para os países considerados subdesenvolvidos. Para ele, o desenvolvimento seria menos o resultado da acumulação material do que um processo de invenção de valores, comportamentos, estilos de vida, em suma, de criatividade (1988). Adverte-nos, ainda, sobre o deslocamento da lógica dos fins (voltados ao bem-estar, à liberdade e à solidariedade) para a lógica dos meios (a serviço da acumulação capitalista). A lógica dos meios, observa, trará grandes impactos negativos às liberdades criativas, aos recursos naturais, enfim, à própria humanidade dos indivíduos.

 

É interessante perceber em Furtado a influência do pensamento de Nietzsche, especialmente, quando reflete sobre a crise de valores em um mundo estruturado a partir de uma razão instrumental pragmática e utilitária. E, mais uma vez, toma as ideias de liberdade e criatividade como antídotos capazes de enfrentar a “fetichização” do homem. Segundo Furtado (1988) a grande atividade criadora do homem é a política, que deve rejeitar as formas de vida desumanas propostas pela civilização industrial, cuja grande característica é o apelo ao consumo. O economista afirma, ainda, que a luta pela redução das desigualdades conduziu apenas a formas mais diversificadas de consumo.

 

Dentre os maiores mercados dos setores criativos, os de entretenimento são os mais importantes, exatamente os setores afeitos às indústrias culturais e de comunicação. Nos Estados Unidos, por exemplo, esses mercados são considerados estratégicos e tem recebido elevados investimentos no decorrer das últimas décadas. Por isso, para esse país, o copyright tem especial importância, diferentemente dos países onde a produção de bens pode ser comunitária (especialmente a que se refere às culturas tradicionais, como é o caso do artesanato, ou mesmo da cultura digital, através do acesso aos softwares livres e às licenças Creative Commons). Os dados trazem evidências, mas, sobretudo, suscitam grandes desafios, especialmente, para os países que não aparecem ou que aparecem de forma insatisfatória nos relatórios mundiais sobre a economia criativa.

 

Em 2010, a UNCTAD busca ampliar seu escopo de pesquisa, das indústrias para as economias criativas. Com a segunda e a terceira edição do Relatório, o conceito de economia criativa, ainda em construção, começa a se ampliar. Pela ausência de indicadores, o Relatório se torna mais qualitativo, e se dedica a apresentar cases de sucesso em setores criativos nos diversos países. Enfim, os Relatórios, em suas três edições (2008, 2010 e 2013) trazem as seguintes afirmações (UNCTAD, 2010, p.10):

 

  • A economia criativa é um conceito em evolução baseado em ativos criativos que potencialmente geram crescimento e desenvolvimento econômico;
  • Ela pode estimular a geração de renda, a criação de empregos e a exportação de ganhos, ao mesmo tempo, que promove inclusão social, diversidade cultural e desenvolvimento humano;
  • Ela abraça aspectos econômicos, culturais e sociais que interagem com objetivos de tecnologia, propriedade intelectual e turismo;
  • É um conjunto de atividades econômicas baseado no conhecimento, caracterizado pela dimensão do desenvolvimento e de interligações cruzadas em macro e micro níveis para a economia em geral;
  • É uma opção de desenvolvimento viável que demanda respostas de políticas inovadoras e multidisciplinares, além de ação interministerial;

 

Apesar do esforço de compilação de dados sobre a economia criativa mundial, realizados pela UNCTAD e pela UNESCO nos últimos anos, muitos países continuam “invisíveis” aos Relatórios, em função da inexistência de sistemas de informações, de metodologias, de indicadores capazes de trazer uma efetiva ampliação do conceito de economia criativa, que continua, ainda hoje, praticamente reduzido ao âmbito das indústrias. O resultado é que, malgrado a riqueza do patrimônio natural e cultural dos países do Sul, os mesmos não conseguem estimular os setores culturais e criativos, a partir de políticas públicas que viabilizem suas dinâmicas econômicas.

 

Na construção de um conceito é preciso priorizar escolhas, optar por visões de mundo, enfim, definir significados a partir do lugar em que nos encontramos. Se o conceito de indústrias criativas data de duas décadas, os significados das economias criativas como substratos de um desenvolvimento includente e sustentável, ainda carecem de aprofundamento e de operacionalidade. Se a economia criativa é uma economia baseada na abundância e não na escassez de recursos, pois seu insumo principal é a criatividade e o conhecimento humano, que são infinitos, ela figura como uma estratégia fundamental para os países onde a criatividade é mais importante do que o domínio da ciência e tecnologia. Ao mesmo tempo, a natureza colaborativa dessa economia favorece a ação coletiva entre pessoas, comunidades, instituições, coletivos, empresas, governos e redes. Enfim, a economia criativa oportuniza a “queima de etapas” nos processos produtivos, na medida em que reconcilia estratégias nacionais com processos internacionais globais.

 

A palavra criatividade traz no seu bojo inúmeros ruídos e as mais diversas e contraditórias representações. Afinal, as sociedades industriais são caracterizadas por uma espécie de “frenesi” criativo, ao mesmo tempo em que nunca se falou tanto, como nos dias de hoje em inovação! Mas, como temia Celso Furtado (1988), também a inovação foi tratada e fomentada na perspectiva de subordinação dos fins aos meios! E, se no campo da ciência e da tecnologia essa subordinação é clara, vale refletir sobre seus impactos no campo artístico e cultural! Essa reflexão é fundamental à definição de um conceito de economia criativa para os países do Cone Sul.

 

Em 2012, foi institucionalizada, no Ministério da Cultura do Brasil, a Secretaria da Economia Criativa (SEC), que travou durante esse processo um debate importante sobre a diferenciação entre “indústrias” e “economias” criativas. Enquanto conceito, a economia criativa foi assim denominada no Brasil: como “a economia resultante das dinâmicas culturais, sociais e econômicas construídas a partir do ciclo de criação, produção, distribuição/circulação/difusão e consumo/ fruição de bens e serviços oriundos dos setores criativos, caracterizados pela prevalência de sua dimensão simbólica”. (Plano da Secretaria da Economia Criativa/ Ministério da Cultura do Brasil, 2011).

 

No conceito de economia criativa da SEC não estão definidas as características essenciais das chamadas “indústrias criativas” anglo-saxãs, especialmente, no que concerne à propriedade intelectual[2]. Afinal, trata-se de problematizar o conceito das “indústrias criativas” para se avançar em uma nova conceituação e em novos princípios para o desenvolvimento de uma economia criativa que assuma um papel estratégico nos Planos de Governo dos países do Sul.

 

Na perspectiva de um conteúdo próprio às economias criativas dos países do Sul, a criação da SEC constitui uma notícia alvissareira. A Secretaria nasce menos preocupada com uma conceituação fechada a respeito da economia criativa do que com os princípios que devem fundamentá-la. Sem eles, não será possível garantir a necessária redistribuição de renda, assim como promover a qualidade de vida, o acesso, o protagonismo e a cidadania aos brasileiros e brasileiras.

 

  • Diversidade Cultural – Valorizar, proteger e promover a diversidade das expressões culturais nacionais como forma de garantir a sua originalidade, a sua força e seu potencial de crescimento.
  • Inclusão social – Garantir a inclusão integral de segmentos da população que em situação de vulnerabilidade social por meio da formação e qualificação profissional e da geração de oportunidades de trabalho, renda e empreendimentos criativos.
  • Sustentabilidade – Promover o desenvolvimento do território e de seus habitantes garantindo a sustentabilidade ambiental, social, cultural e econômica.
  • Inovação – Fomentar práticas de inovação em todos os setores criativos, em especial naqueles cujos produtos são frutos da integração entre novas tecnologias e conteúdos culturais.

 

Por outro lado, a Secretaria assume para si, desde a sua estruturação, em 2011, a liderança na formulação, implantação e monitoramento de políticas públicas estruturantes, para enfrentar os seguintes desafios:

 

PROBLEMAS DESAFIO
·       Ausência de informações, dados e de análises produzidos e sistematizados. Levantar, sistematizar e monitorar as informações e dados sobre a Economia Criativa para a formulação de políticas públicas.
·       Modelos de negócios precários e inadequados frente aos desafios dos empreendimentos criativos; baixa disponibilidade e/ou inadequação de linhas de crédito para financiamento das atividades dos setores criativos. Fomentar a sustentabilidade de empreendimentos criativos para fortalecer sua competitividade e a geração de emprego e renda.
·       Baixa oferta de formação em todos os níveis (técnico, profissionalizante e superior) para os setores criativos. Formar gestores e profissionais para os setores criativos com vistas a qualificar os empreendimentos, bens e serviços.
·       Baixa institucionalidade da Economia Criativa nos Planos Municipais e Estaduais de Desenvolvimento, o que enfraquece a dinamização dos ciclos econômicos dos setores criativos. Ampliar a institucionalização da Economia Criativa nos territórios visando ao desenvolvimento local e regional
·       Ausência, insuficiência e desatualização de marcos legais e infralegais para o desenvolvimento dos setores criativos. Criar e adequar marcos legais para o fortalecimento dos setores criativos.

Figura 4: Problemas X Desafios da Economia Criativa no Brasil

Fonte: SEC, 2011

 

Celso Furtado considerava que o acesso, a qualidade de vida e a ampliação de escolhas constituem pressupostos fundamentais ao desenvolvimento. Um desenvolvimento que deve ser desconcentrador, fundamentado na diversidade cultural brasileira, marcado pela inovação, enfim, um desenvolvimento onde o progresso tecnológico caminhe de forma harmônica com o acesso de seus produtos e serviços às camadas mais amplas da sociedade brasileira.

 

Vinte e cinco anos depois da gestão de Celso Furtado, à frente do Ministério da Cultura, institucionalizou-se no Governo Federal uma pasta cuja missão liderar políticas públicas voltadas a retomar, reavivar e resignificar as relações e as conexões entre cultura e desenvolvimento, com a missão de contribuir para transformar a criatividade brasileira em inovação e a inovação em riqueza.

 

A Secretaria da Economia Criativa, que foi criada no primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff, foi extinta em seu segundo mandato. Mas os desafios continuam instigantes. Necessitamos de pesquisas, de indicadores e de metodologias que garantam a confiabilidade dos dados desta nova economia. Carecemos de novas linhas de crédito para fomentar os empreendimentos criativos brasileiros. Precisamos construir uma nova educação para as competências criativas, além de infraestrutura que garanta a criação/produção, difusão/circulação e fruição/consumo de bens e serviços criativos dentro e fora do país. Por último, há que se produzir marcos regulatórios, sobretudo, tributários, trabalhistas, previdenciários e civis, que permitam o desenvolvimento das dinâmicas econômicas dos setores culturais e criativos brasileiros.

 

Enfim, maior do que os desafios relativos ao desenvolvimento da economia criativa brasileira são os riscos de reduzirmos a economia criativa, em nosso país, ao domínio das indústrias culturais e, por conseguinte, ao mero pragmatismo neoliberal. A descontinuidade das políticas públicas para a economia criativa torna-se impacta negativamente sobre o campo cultural brasileiro, fragilizando ainda mais o grande contingente de artistas, profissionais, pequenos empreendedores e gestores dos setores culturais e criativos, formais e informais, que movimentam a economia deste país e que fazem do Brasil um dos grandes “celeiros” da diversidade cultural do planeta.

 

Se tomarmos a arte como forma de vida, se resgatarmos na criatividade humana uma energia sem finalidade, talvez tenhamos aí um bom mote para qualificar a palavra “economia” como “criativa”, uma economia, diferentemente das “indústrias criativas”, voltada às dinâmicas de fusão entre o criar e o viver. Afinal, não seria também essa o sentido original da palavra economia?

 

Cláudia Leitão

Professora e pesquisadora do Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Estadual do Ceará e consultora para economia criativa.

 

Bibliografia

 

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YÚDICE, G. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Belo Horizonte: UFMG, 2004.

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[1] Prosumidores: o consumidor que produz conteúdo, ou seja, o produtor + consumidor. Ele é capaz de dividir suas experiências, pautar tendências e contribuir no processo de criação de produtos e serviços.

[2] O conceito de indústrias criativas no Relatório de Economia Criativa – 2010 da UNCTAD (2013): os ciclos de criação, produção e distribuição de produtos e serviços que utilizam criatividade e capital intelectual como insumos primários; constituem um conjunto de atividades baseadas em conhecimento, focadas, entre outros, nas artes, que potencialmente geram receitas de vendas e direitos de propriedade intelectual; constituem produtos tangíveis e serviços intelectuais ou artísticos intangíveis com conteúdo criativo, valor econômico e objetivos de mercado; posicionam-se no cruzamento entre os setores artísticos, de serviços e industriais; constituem um novo setor dinâmico no comércio mundial”.