Sérgio C. Buarque

Os urbanistas e o movimento #OcupaEstelita conseguiram uma grande vitória com a decisão do Prefeito de suspender a autorização para implantação do Projeto Novo Recife no Cais José Estelita, abrindo novas rodadas de negociação para a definição do futuro da área. Como todos parecem concordar que não se pode deixar área tão nobre do Recife abandonada e degradada, a discussão deve ser orientada para a escolha das alternativas de uso do Cais José Estelita, incluindo entre elas a reformulação do citado Projeto. E para além dos fatores estéticos e históricos, as alternativas devem ser viáveis e sustentáveis e devem gerar os melhores resultados para a cidade e para as comunidades próximas.

A análise e a negociação em torno dos méritos e resultados de um projeto são muito complicadas e difíceis por conta das diferenças de interesses e de valores envolvidos. A discussão é emblemática na abordagem do desenvolvimento urbano porque envolve, entre outros aspectos, a delimitação do papel e dos espaços que cabem ao capital privado na implementação de projetos estruturadores da cidade. É indiscutível que o interesse do investidor privado é o lucro final da operação, como retorno legítimo da alocação do capital. O que, no entanto, não significa que o capital seja uma perversão destrutiva e descontrolada e que, portanto, deva ser banido das obras e projetos de interesse público. Desde que atue nos marcos de uma regulação governamental, que delimitam as regras e as possibilidades do investimento, o capital privado pode dar uma grande contribuição para o desenvolvimento e a qualidade da cidade. Investindo nos projetos e empreendimentos com retorno e que, portanto, podem prescindir de recursos públicos que seriam disponibilizados para outras prioridades.

No Projeto do Cais Estelita a relação entre a motivação privada do lucro e os interesses coletivos se expressam num trade-off entre o gabarito das edificações (para preservação da paisagem) e o tamanho econômico mínimo das edificações para viabilizar o negócio. Como a preservação da paisagem parece ser um dos pontos fundamentais da rejeição ao projeto do Consórcio Novo Recife, surgem duas questões: 1) até que altura a paisagem estaria preservada? 2) neste limite, o investidor privado tem condições de recuperar o investimento? Se não houver ajuste entre o gabarito possível e a viabilidade mínima do empreendimento, o setor público teria que assumir o empreendimento com a construção de um grande parque público de proporções maior que o Parque da Jaqueira.

Esta parece ser a alternativa favorita do movimento #Ocupaestelita que, de um só golpe, afastaria os empreendedores privados do negócio e impediria que os ricos compradores dos imóveis desfrutassem da belíssima paisagem. Mas, quanto custaria ao governo municipal? Cem milhões de reais, talvez bem mais se forem considerados os investimentos de mitigação assumidos pelo Consórcio Novo Recife estimados em R$ 64 milhões. Tratando de recursos públicos, contudo, emerge uma pergunta fundamental: este investimento é realmente uma prioridade para a sociedade recifense, cidade com tantas carências sociais e urbanas, com elevados déficits na educação? Decididamente não.

Lembram da Tamarineira? Um forte movimento de urbanistas, psiquiatras e ambientalistas levou á suspensão do projeto privado. A Prefeitura proibiu o projeto e assumiu construção de um parque e alguns equipamentos sociais e museológicos, a maioria dos quais constava do projeto empresarial (aos quais se acrescentava um shopping center como espaço comercial). Na Tamarineira a Prefeitura do Recife vai arcar com R$ 60 milhões para implantação de um belo equipamento urbano numa das áreas mais nobres e ricas da cidade. Volta a pergunta: que prioridade tem este projeto para uma região de classe média alta que já conta com o Parque da Jaqueira e, um pouco mais longe, o Sítio da Trindade? Quanto a Prefeitura poderia fazer com estes recursos nos bairros pobres e nas favelas do Recife ou em segmentos fundamentais para a cidadania como a educação? Para se ter uma ideia, os R$ 60 milhões correspondem a 12% do que a Prefeitura gastou com educação em 2010.

A discussão sobre os projetos estruturadores na cidade deve partir, na verdade, de um pressuposto: onde o capital privado tiver interesse de investir, dentro das regras e condições urbanísticas definidas pela Prefeitura, o setor público deve permitir e incentivar o investimento privado. Numa área de claro retorno econômico, como a Tamarineira e o Cais José Estelita, os recursos privados liberam os parcos recursos públicos para outros projetos de alta prioridade para o desenvolvimento que, normalmente, não interessam aos empresários. Além de poupar recursos da Prefeitura, o investimento privado eleva a receita pública. No caso do projeto Novo Recife, com quase mil famílias habitando haveria um aumento da receita só de IPTU de mais de R$ 4 milhões por ano (cerca de 2,1% na receita do tributo). Sem falar nos escritório, hotel, clínicas e lojas que vão gerar IPTU e ISS.

Onde reside o limite para o investimento privado? O limite deve ser definido pela regulação urbana que orienta a concepção dos projetos, evitando e moderando os eventuais impactos negativos e potencializando os resultados positivos. O resto é negociação explorando, dentro destes limites, as possíveis melhorias e adaptações no Projeto Novo Recife que viabilizem a reestruturação urbana do Cais José Estelita.#OcupeEstelita