por Helga Hoffmann

Uma lágrima para Marco Antonio Coelho, que morreu no sábado, 21 de novembro de 2015.  Mineiro por nascimento (em Belo Horizonte, em 1926), por amor, por temperamento. Um sensato pesquisador dos fatos concretos, sem excluir a poesia.  E voltado para o futuro. Não era de remoer o passado, não era de queixas, nem de grandes comemorações. Não foi ele que me relatou o quanto foi horrivelmente torturado, preso em 1975 pelo DOI-CODI, nem dos 4 anos de luta corajosa de Teresa, sua mulher, para tirá-lo da prisão, impedir que morresse e apoiá-lo para que recuperasse sua alegria de viver. Lágrimas? Só se fossem para encher os rios e riachos de Minas Gerais.

Nem sei se ele sabia da tragédia do rio Doce quando morreu, ou se estava pesquisando e escrevendo sobre suas águas e represas. Mas o rio Doce já aparece no seu livro sobre o Rio S. Francisco e sobre seu principal afluente. Teria sido o homem certo para cuidar do Rio Doce. Nas últimas décadas estava dedicado à restauração dos rios da sua infância, que tinham cada vez menos água, e água cada vez mais suja.

Queria ter de volta as águas caudalosas do passado. Estava em contato com os movimentos, projetos e propostas de restauração dos rios de Minas Gerais.  Neste momento, mais que nunca, é urgente ler os dois últimos livros de Marco Antônio Tavares Coelho, ver suas fotos históricas, e as lindas ilustrações de Maria Helena Andrés: “Rio das Velhas: Memória e Desafios” (S.Paulo, Editora Paz e Terra, 2002) e “Os Descaminhos do São Francisco” (S.Paulo, Editora Paz e Terra, 2005).

Marco Antônio sempre foi militante: a partir de certo momento e durante certo tempo, militante comunista, e é válido resumir tal militância nas próprias palavras dele, quando dedica outro livro, bem diferente daquele sobre os seus rios queridos: “À Teresa, minha mulher, símbolo dos que perseveram nas adversidades, nunca desanimam, na luta por uma sociedade mais justa.” O livro é: “Herança de um Sonho: As Memórias de um Comunista” (Rio de Janeiro, Editora Record , 2000). Descreve uma trajetória política pessoal, tem o perfil de muitos dos que o acompanharam nessa trajetória, mas é, mais que isso, sobre 40 anos de história do Brasil. Segundo o próprio Marco Antonio, “foi um catarse escrever este depoimento” (p.17). Segundo Armênio Guedes, outro dirigente comunista da linha mais democrática, “é a história mais concisa e bem escrita que conheço sobre a militância comunista no Brasil.”

Nessa trajetória tive participação durante um ano, no Rio de Janeiro, já não lembro se 1961 e 1962, quando fui trabalhar na Assessoria Parlamentar que havia sido montada por Marco Antonio Coelho. Estou lá, no livro dele, ainda que não lembre muito do que ele conta da Assessoria. Lembro que funcionava em um pequeno escritório no centro do Rio, e o objetivo era fornecer dados e análises técnicas que ajudassem os deputados em seus discursos e propostas. Nunca participei dos detalhes nem percebi que fosse tão ampla a influência da Assessoria Parlamentar quanto o que foi descrito por Marco Antonio (“Herança de um Sonho”, pp.203-208). Uma pena, porque ali, no que dependia de Marco Antonio, se trabalhava com seriedade, sem demagogia. Lembro que fui enviada a Minas Gerais, estudar a economia dos fornos de ferro gusa, por conta disso visitei algumas áreas de mineração de ferro, com a ajuda dos contatos mineiros de Marco Antonio. Este foi eleito deputado federal em 1962, e a assessoria perdeu seu chefe mais realista. Tudo se acabou com o Golpe de 1964.

Marco Antonio manteve sempre sua esperança na batalha pelo socialismo. Mas era democrático do fundo da sua alma mineira, tolerante, agregador, não tinha rancor para com os que não conseguiram ignorar que os fatos bem concretos de um experimento social que durou 70 anos (1917-1989) haviam condenado suas utopias permanentes.

Seu espírito aberto, e agregador, se evidenciou sempre nos vários anos em que foi o Editor Executivo da revista “Estudos Avançados”, do IEA/USP. Um dia, conversando com ele sobre as minhas fracassadas utopias da juventude, observei: “É… você foi tão torturado para mudar de opinião, que não dá mesmo para você mudar de opinião.” O sorriso dele veio entre zombeteiro e triste: “É… é uma maneira de enxergar a questão.” Mas, chegado o século XXI, ele estava mesmo mais preocupado com a correnteza dos rios, riachos e córregos mais queridos, mais Minas que Gerais, e com as populações ribeirinhas no mais amplo sentido, mesmo as mais afastadas das margens. Conforme a dedicação do seu livro sobre o rio das Velhas, em 2002: “A todos engajados na causa dos rios – o sangue da Terra.”