24 de junho de 2015

Teresa Sales

São João de rua, típico do interior do nordeste.

São João de rua, típico do interior do nordeste.

Véspera de São João. Carmen Chaves passa na minha casa; vamos com chuva e tudo para a Rua da Palha em Olinda, onde haverá festa de rua. A tempo de ver acender a fogueira. Eram duas. Uma já ardia, orgulhosa de sua resistência à chuva intermitente. A outra estava de capa de chuva preta com apenas uma brecha em cima, por onde foi acesa à nossa vista. Alguns moradores da rua ainda estavam armando seus toldos em frente à casa. Só então soubemos que chegamos muito cedo para a festa.

Deixamos as fogueiras aos cuidados de seus donos, no lado da rua onde todas as casas estavam de portas abertas. Numa, uma velha à porta, em cadeira de balanço, olhando a fogueira. (Lembrei de dona Otávia na sua janela, da 27 de Janeiro, vendo as festas que passavam na rua). Vamos para o outro lado da rua onde o “arraiá” está armado. Um palco ainda sem ninguém, mas já com músicas juninas nos potentes aparelhos de som. Providenciamos uma cachacinha para esquentar a umidade da noite, queijo de coalho assado na brasa (uma iguaria que se espalhou pelos supermercados Brasil afora), amendoim torrado e cozinhado.

Por enquanto, há mais pessoas vestidas de “diretoria” do que os outros, nós outros. Ficamos sabendo que é um vereador quem custeou a festa deste ano. Que vai começar às 10 horas da noite. Há dois anos, quando Carmen levou a neta, começara com a fogueira, na boquinha da noite, como é de costume começar. Mais uma que se rende ao palco, réplica matuta dos palcos da TV?

Em 1998 viemos de carro, desde Brasília, Rosa, com seu carro de muita estrada, Denise e eu, à caminho do São João nordestino. Denise ficou no Recife, Rosa e eu seguimos rumo a Campina Grande, passando por Bezerros e Caruaru. Nesta, já era festa de palco. Mas valia ver e ouvir Dominguinhos. E lá ficamos, esperando tempão, o público e o cantor, que a Rede Globo chegasse para filmar o já famoso filho de Garanhuns, afilhado de Luiz Gonzaga. Justiça seja feita. Campina Grande, por mais nova nos festejos, tinha palhoções mais animados, cada um com seu próprio forró de boa qualidade, onde se dançava mais do que ficava de expectador.

Morando de volta no Recife, trilhei incontáveis rotas do milho, Garanhuns, Arcoverde… Atrás do que?

No estudo das migrações, se sabe que muitas tradições culturais se preservam melhor entre os que partiram. Um jeito de se sentir “em casa”. Nunca deixamos, eu e Zé Hamilton (ah, um sonho bonito com ele essa noite), de forrozar o São João nordestino em São Paulo. Se não na minha casa, na de Jorge Carneiro da Cunha. Afora as festas de escola dos meninos, as quermesses de igreja, onde houvesse fumaça de fogueira e cheiro de pamonha.

Melhor que tudo: a música. Luiz Gonzaga. Menina, fui com meus pais e irmãos vê-lo no clube social em Garanhuns. Haveria uma apresentação à noite na Rádio Difusora, mas não era para crianças. Nem para os “da sociedade”, penso hoje. Numa artimanha, que somente agora confesso, fiz não sei que sorte de chantagem com as empregadas, que me levaram. Lembro que não entendi muitas das histórias que ele contava no resfolego da sanfona e fazia todos rirem. Foi amor à primeira vista. No dia seguinte seu carro parou na bomba de gasolina perto de casa. A emoção foi grande, mas não tive coragem de atravessar a rua junto com os outros meninos da calçada para vê-lo de perto. Mas declarei à mãe: quando eu crescer vou me casar com Luiz Gonzaga.

São João é o tempo de menino. E nós passamos a vida em busca desse tempo. Da fazenda de meu avô, onde Seu Gonzaga soltava balões em noite escura. Depois veio a eletrificação rural de bom progresso. Veio junto a televisão, impondo seus gostos.

Nós continuamos teimosamente inventando um São João Agreste onde só fogueira, sanfona, triângulo, zabumba, a boa cachaça e nossas comidas de milho. O da rua da Palha começou assim. Até chegar a organização do evento.

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