Sérgio. C. Buarque

A theological debate (1901) - Eduard Frankfort.

A theological debate (1901) – Eduard Frankfort.

O artigo de Elimar Nascimento, publicado na edição anterior da Revista Será? – “Carta a um amigo petista” –, deu origem a um debate de muito bom nível. Com dezenas de comentários na própria Revista e no facebook e milhares de compartilhamentos na rede social, esse debate evidenciou o desejo e a possibilidade de uma discussão respeitosa e elegante em torno da dramática situação econômica, social e política do Brasil e das responsabilidades dos governos. No ambiente de forte polarização política que vive o Brasil na atualidade, com agressões mais que argumentos e explanação de ideias, a qualidade desse debate é uma gratificante exceção de equilíbrio e racionalidade.

A Revista Será? se sente orgulhosa de constituir este espaço virtual de debate de ideias e confronto de percepções e visões de mundo, entendendo que esta é única forma de ampliar o conhecimento sobre o mundo e o pais e ajudar na definição de propostas de desenvolvimento. Mérito de Elimar Nascimento, pela qualidade da sua análise, mas também mérito dos comentaristas que, convergindo ou divergindo em torno das suas ideias, argumentaram e procuraram fundamentar seus pontos de vista e, desta forma, contribuíram para ampliar a compreensão e formar um pensamento mais completo diante da complexidade da realidade.

O debate não precisa ser desapaixonado. Discutir política sem paixão, além de difícil, não é correto, já que o debate da política envolve emoção, percepção do mundo e mesmo interesses. Mas a paixão não pode gerar cegueira intelectual menos ainda provocar desrespeito pelo interlocutor e pelos que pensam diferente. As ideias, as críticas e as análises devem ser fundamentadas, de preferência com dados e informações confiáveis ou mesmo com observações pessoas consistentes. Mais do que tudo, o bom debate deve evitar o recurso desonesto de desqualificação dos formuladores das ideias, recurso que reflete, na verdade, a fragilidade dos argumentos.

Para que o debate não seja poluído pelas paixões fanáticas são necessários informação, dados sobre a realidade e fundamentação para os argumentos. Neste sentido, o debate deve levar em conta dois aspectos fundamentais: a confiabilidade da informação e os conceitos difundidos sem coerência com o mundo real e que se transformam em verdades.

No que diz respeito à informação, o principal conflito se dá em torno da grande imprensa, acusada pelo PT de mentirosa e chamada depreciativamente de PIG – Partido da Imprensa Golpista. Embora os órgãos de imprensa não sejam totalmente isentos, é preciso tomar cuidado para não culpar o mensageiro das más notícias e desqualificar a notícia pela sua fonte. A imprensa brasileira tem de tudo um pouco e, sejamos prudentes, grande parte da mídia tem tido um comportamento equilibrado, mesmo quando atacam o governo nos seus editoriais, como faz o Estado de São Paulo. A imprensa é muito vigiada, conta com corpo de profissionais e jornalistas sérios que têm, na sua maioria, ética jornalística, e está subordinada à legislação que protege o cidadão e os políticos contra a mentira e a calúnia. A imprensa é muito mais controlada que os blogs individuais. Uma informação veiculada pelo Estado de São Paulo, considerado um jornal conservador, é muito mais testada no contraditório pelos seus jornalistas e editores que os artigos e notas dos blogs, como o de Paulo Henrique Amorim, baluarte da chamada esquerda, com sua linguagem deselegante e grosseira.

Se a qualidade e a confiabilidade da informação é fundamental para um bom debate, é necessário também despojar-se de alguns mitos difundidos à exaustão e que passaram e constituir uma verdade inquestionável. O principal mito atual é que as chamadas políticas sociais e de distribuição de renda promoveram a ascensão das classes E e D, “engordando” a classe C. Em primeiro lugar, parece difícil imaginar que uma renda em torno de cem reais para uma família que ganha até R$ 140,00 per capita possa leva-la a um patamar de classe D e menos ainda C. Tudo indica (e um estudo de Marcelo Neri mostra isso com dados) que a “engorda” da classe C se deu muito mais pelo aumento real do salário definido pelo mercado de trabalho e, em menor medida, pela elevação do salário mínimo. O aumento da renda média foi muito mais um produto do mercado, por conta do crescimento da economia, que das políticas sociais. A intensificação da melhoria dos indicadores sociais com os governos do PT (e quando se diz intensificação é para deixar claro que o movimento era anterior) também tem mais a ver com a economia que com políticas de assistência social como o Bolsa Família. Explico: a manutenção da estabilidade econômica que permitiu o início de um crescimento do PIB mais elevado, combinado com um fenômeno demográfico de redução do aumento da população em idade ativa, elevou o nível de renda dos trabalhadores.

Ninguém pode negar a melhoria da renda média da população brasileira nos anos do governo Lula. Mas é completamente incorreto dizer que foi resultado das políticas. E quando se erra no diagnóstico se falha nas estratégias. O grande mérito do Governo Lula, abandonado depois, no final do seu segundo mandato e, principalmente, no governo Dilma Rousseff, foi a manutenção da política macroeconômica do governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso, que permitiu a retomada de níveis aceitáveis de crescimento da economia, responsável por grande parte dos resultados sociais positivos do período 2004/2010. Mas esta talvez seja a informação mais difícil de ser aceita pelos militantes do PT porque pensam, como Lula costuma afirmar, que a história do Brasil começou em 2003.