Clemente Rosas

Homenagem a Monteiro Lobato - Gustavo Melo.

Homenagem a Monteiro Lobato – Gustavo Melo.

O debate esfriou, a questão parece esquecida.  Com meu estilo de deixar amadurecer os problemas para enfrentá-los, talvez tenha perdido a oportunidade de dar alguma contribuição ao tema.  Em todo caso, como o nosso ministro Fernando Haddad não recolheu o livro “Por uma vida melhor” das escolas, apesar das abalizadas ponderações de Evanildo Bechara (Veja, 01.06.2011) e Affonso Romano de Sant’Anna (JC, 07.06.2011), e a nossa Presidente não interveio para encerrar a pendenga, como fez no caso do “kit anti-homofóbico”, talvez ainda haja espaço para retomar a discussão a respeito.

O assunto é mais antigo do que se pensa.  Lembro um texto de Monteiro Lobato, lido nos meus verdes anos, onde o grande escritor começava afirmando que, assim como o português havia saído do latim, o “brasileiro” estava saindo do português.  E prosseguia: “A cândida ingenuidade dos gramáticos chama corromper ao que os biologistas chamam evoluir”;  para encerrar recomendando: “Aceitemos, pois, o labéu, e corrompamos de cabeça erguida…”

Monteiro Lobato estava certo?  Modestamente, afirmo que não, neste caso.  Em primeiro lugar, porque o autor não seguiu o próprio preceito, nem mesmo em seus livros infantis, que nos encantaram a todos, onde adota uma linguagem simples, coloquial, mas sem solecismos, nem grafia acomodada às variações populares de prosódia.  Em segundo lugar, porque o tempo está demonstrando, já mais de meio século depois, que o “brasileiro” não saiu do português, nem vai sair, pelas razões que vamos esboçar.

Examinemos as condições em que o latim, ao longo de séculos, foi-se transformando em romeno, italiano, espanhol, português, galego, catalão, francês, provençal, as chamadas línguas neolatinas.  As populações, tanto da própria Itália, quanto de todas as nações conquistadas pelos romanos, eram, em sua esmagadora maioria, analfabetas, sem contato, portanto, com a linguagem escrita.  E tinham, pelas características de seus idiomas nativos, graus diferenciados de dificuldades para reproduzir os sons da fala dos conquistadores.  Além de tudo, sem os meios de transporte e de comunicação de hoje, o isolamento desses povos era quase completo.

Nenhuma dessas condições prevalece, nos tempos atuais.  A alfabetização é a regra, todos têm contato diário com a língua escrita, através de jornais, revistas, correio eletrônico, livros.  A multiplicidade e a amplitude dos meios de comunicação – televisão, rádio, telefone – mantêm pessoas antes isoladas pelas distâncias geográficas em permanente interlocução, contribuindo, aos poucos, para a uniformização dos falares regionais.  O intercâmbio entre nações, o turismo e o próprio desenvolvimento da ciência fazem com que cada idioma incorpore, sempre mais, expressões, conceitos e palavras dos outros.  A tendência evolutiva não é mais de diversificação, mas de aproximação.

Sendo assim as coisas, que sentido há em legitimar, para alunos de 1º grau, maneiras alternativas de expressão mais pobres de recursos, sem regras de sintaxe, com fonética e morfologia duvidosas?  O único provável efeito será desmobilizar os seus espíritos para o esforço de aprender a língua escrita, a língua dos livros, que lhes vai abrir o caminho da vida profissional, da ciência, da literatura, da razão crítica, do pensamento filosófico.

Convém ter-se presente que se ensina a ler e escrever, não a falar, pois a falar se aprende antes de ir à escola.  Variações de prosódia são, pois, irrelevantes, e tudo mundo pode falar como quiser.  Para escrever, porém, e ser bem compreendido, deve qualquer um ater-se às regras da gramática, ao “rio da linguagem” devidamente canalizado e regularizado, com todo o respeito ao Professor Wellington de Melo (JC, 23.06.2011).

Tanto é assim que a ideia de fazer literatura com o linguajar dos sertanejos rudes, como tentaram os chamados “poetas matutos” Catulo da Paixão Cearense e Zé da Luz, resultou falaciosa e inconvincente.  Um engodo que, no caso de Catulo, como já lembrou Ariano Suassuna, começa no próprio nome do autor, maranhense de nascimento.  E ninguém mais do que Ariano valoriza a cultura popular, e sabe buscar nela a matéria-prima da sua obra literária e artística.

Deixemos, pois, a sociolingüística para os expertos, sem enxertá-la nos livros didáticos, onde só servirá de pretexto aos jovens estudantes para a acomodação e o descompromisso.  E esta atitude nada tem a ver com elitismo ou desprezo a formas alternativas de comunicação.  A posição contrária é que me parece, na melhor hipótese, um bem-intencionado equívoco, na pior, uma lamentável concessão à demagogia.

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