Sérgio C. Buarque

A Family - Fernando Botero.

A Family – Fernando Botero.

 

Todos sabem que o Brasil é um país marcado por grandes desigualdades sociais. Mas o Brasil é também um país de enormes privilégios de grupos e segmentos sociais, grande parte se beneficiando de distorções patrocinadas pelo do Estado. Por estranho que pareça, o Estado brasileiro tem sido o principal promotor das desigualdades sociais e da criação de privilégios na sociedade, como demonstra estudo dos economistas Marcelo Medeiros e Pedro Souza, publicado pelo IPEA¹. A diferença começa com o valor pago aos os salários dos servidores públicos que, na média, são superiores aos do setor privado para cargos similares e nas empresas estatais, os salários dos cargos executivos são muito superiores aos pagos pelas empresas privadas, incluindo multinacioanis (sem falar na corrupção).

Em matéria do Estado de São Paulo, Rachel Gamarski e Carla Araújo mostram que a soma dos salários dos servidores públicos que ganham mais do que o limite definido em lei (nada modestos R$ 33,7 mil mensais) chegaria a quase R$ 10 bilhões por ano, praticamente o que o governo espera arrecadar com a recriação da CPMF. A principal transgressão do limite ocorre no judiciário e se esconde por trás de um maneirismo jurídico que aumenta receita não classificados como salários.

A Previdência social é outra fonte de desigualdade social. A “generosidade” criada no passado no sistema previdenciário, especialmente a aposentadoria precoce, é um enorme peso no orçamento da União que, desta forma, restringe os recursos que seriam utilizados para investimentos públicos que enfrentariam as desigualdades de oportunidades. Vale lembrar que apenas um segmento já privilegiado pode fazer uso dessa aposentadoria, pois a maioria do povão não comprova tempo de serviço, pois trabalha informalmente. Em 2015, a Previdência (INSS e previdência do setor público) teve um gasto total de R$ 571,8 bilhões comprometendo 26,3% do orçamento público federal, ao mesmo tempo em que a Saúde foi contemplada com 5,5% e a Educação com 5,6% do orçamento federal. Este comprometimento do orçamento com despesas da Previdência, que já está estrangulando as finanças públicas, deve crescer mais ainda no futuro devido ao envelhecimento rápido da população brasileira.

No ano passado, a população idosa (acima de 65 anos) do Brasil foi estimada pelo IBGE em 16 milhões de pessoas (bem menos que o número de beneficiários do sistema na medida em que grande parte destes se aposentou bem mais novo). Daqui a vinte e cinco anos, a população de idosos no Brasil deve saltar para 40 milhões (projeção do IBGE), crescimento de 4,6% ao ano. Mantendo a mesma atual proporção benefícios da previdência/idosos, em 2040 os gastos do sistema podem chegar a mais de R$ 1,7 trilhões de reais (a preços de hoje).

Mais alarmante ainda que o crescimento acelerado da população idosa e sua pressão sobre a Previdência social é a enorme desigualdade dos benefícios da previdência dos aposentados do serviço público em relação aos inativos do setor privado. O estudo de Marcelo Medeiros e Pedro Souza mostra que os funcionários públicos aposentados, que são apenas 4% de todos os beneficiários da previdência, recebem cerca de 20% de tudo que é pago como aposentadoria no Brasil. Cerca de 935 mil aposentados e pensionistas do setor público federal geraram um déficit anual de R$ 62 bilhões (2015) quase o dobro do que o provocado pelo pelos 28 milhões do INSS (R$ 35 bilhões).

O Brasil precisa agora iniciar uma radical revisão destes privilégios que, além de uma grande injustiça social limitam a capacidade dos governos realizarem investimentos que promovam o desenvolvimento nacional e crie igualdade de oportunidades na sociedade. E os direitos adquiridos? Grande parte destes direitos foram “adquiridos” de forma ilegítima com a manipulação de leis no silêncio dos gabinetes e constituem uma violência contra o bom senso e os direitos sociais.

___________________________________________________________________

¹“Gasto público, tributos e desigualdade de renda no Brasil” – Texto para Discussão 1844 – IPEA – 2013