Elimar Pinheiro do Nascimento (*)

Em finais do ano passado ocorreu em Paris a maior conferência do clima até hoje realizado, a COP 21. No dia 22 deste mês, 171 chefes de Estado, inclusive a presidente Dilma, estiverem na Assembleia da ONU para assinar o acordo estabelecido em Paris para conter a emissão de gases de efeito estufa. Considerado, em todo mundo, como o acordo mais avançado sobre o tema, resultado, entre outros, das pressões advindas das notícias, e estudos, cada vez mais frequentes do aumento das temperaturas no mundo inteiro.

Presente no Congresso Latino Americano de Sociologia (ALAS) em Costa Rica, compromisso antigo, não pude estar em Paris por ocasião da reunião da cúpula do mundo sobre mudanças climáticas, CP 21, em novembro/dezembro 2015 em Paris. Segui-a, no entanto, com curiosidade pela mídia e contato com colegas especialistas. Fiquei com a impressão que o resultado foi melhor do que se esperava, e pior do que necessitamos. Mas, sobretudo, aos poucos entendi porque dessa vez os Estados Unidos e a China se posicionaram favoravelmente. Houve uma mudança em relação ao acordo anterior – Kyoto – em que países como Estados Unidos, China, Canadá e Austrália, entre outros, colocaram-se contra.

Com o tempo compreendi outras coisas que não estavam presentes na mesa da reunião, mas que influenciaram seus resultados. Variáveis externas e anteriores.

O encerramento da COP 21 em Paris no final do ano passado, foi saudado pelos 195 países participantes como um feito histórico. Em particular dois fatos foram profusamente mencionados pela imprensa internacional. O fato de os países se comprometerem a manter o aumento da temperatura da terra abaixo dos dois graus Celsius, visando o 1,5o. Esta é a principal reivindicação dos países insulares. Em segundo, o fato de que o texto prevê recursos do Green Climate Fund para os Planos Nacionais de Adaptação às Mudanças do Clima, instrumentos dos governos nacionais elaborados junto à sociedade para promover a redução da vulnerabilidade à alteração climática. Um valor de 100 bilhões de dólares foi anunciado como apoio aos países mais pobres.

Não houve definição de metas obrigatórias para todos os 195 países que assinaram o documento final, mas 188 países definiram metas. Em compensação foi estabelecido, a começar em 2020, uma revisão do acordo a cada cinco anos para verificar o cumprimento das medidas voluntárias propostas. A questão da transparência era essencial para o acordo, e ele prevê a criação de um Quadro de Transparência para a Ação e o Apoio. Isso quer dizer, transparência tanto em relação ao dinheiro investido, quanto nas ações feitas a partir do financiamento. Alguns chegaram a saudar esta medida como mais importante do que a definição de metas.

Foi previsto que o acordo de Paris deve entrar em vigor no trigésimo dia depois que pelo menos 55 países que representem 55% das emissões globais tenham ratificado. E a reunião de 22 de abril, supracitada, sinalizou este feito. Iniciamos uma fase de combate articulada a emissão de gases de efeito estufa e esforço articulado de compensação do aquecimento e variações climáticas – eventos críticos – em todo o mundo.

Todos saudaram o fato de que, finalmente, os países se deram conta que é fundamental conter a produção de gases de efeito estufa. Algo que não havia ocorrido nos últimos 23 anos, desde a conferência da cúpula mundial no Rio de Janeiro em 1992. E a satisfação era visível nas expressões de Laurence Tubiana, embaixadora encarregada das negociações, diretora do Institute for Sustainable Development and International Relations (IDDRI): “Não acredito. Parece impossível. Conseguimos! Conseguimos! “ E no sorriso de satisfação do ministro das relações exterior da França, Laurent Fabius. Ban Ki-Moon, secretário-geral da ONU, destacou o peso histórico do acordo: “Chegamos a um momento decisivo em uma viagem longa, que remonta décadas de negociações. O documento apresentado é histórico. Ele promete colocar o mundo em um novo caminho, para um futuro resiliente ao clima e de baixas emissões.”

Kumi Naidoo, diretor-executivo do Greenpeace, disse que, embora a “roda da ação climática” gire lentamente, ela se transformou em Paris, colocando as empresas de combustível fóssil no “lado errado da história”. O presidente do Institut Grantham de Mudanças Climáticas e Meio Ambiente – e autor do Relatório Stern sobre a Economia das Mudanças Climáticas – Nicholas Stern, elogiou o acordo proposto como um “momento histórico” para as gerações futuras.

A pesquisadora Branca Americano, do Programa de Política Climática do Instituto Clima e Sociedade, se mostrou mais animada: “Foi uma luta enorme, com muitas decepções no caminho, principalmente Copenhague, onde criou-se uma expectativa de se chegar a metas. Dessa vez, se inverteu a lógica e se começou a fazer um acordo. Cada país ofereceu o que podia”.

Saulo Rodrigues, geólogo, com doutorado na Alemanha sobre mudança climática, professor da UnB/CDS, considera que o evento foi histórico: “Não importa onde ocorram as reduções de emissões, importa é que elas possuam a melhor relação custo-benefício em termos de investimentos e resultados. “

Há, porém, reticências. Na visão da ActionAid a questão do combate à pobreza e à desigualdade foi esquecida, colocada de lado. Por sua vez, a Rede Ambiental Indígena reclama de não ter sido escutada.

Há mesmo avaliações pouco positivas, como a do colunista do jornal britânico The Guardian George Monbiot: “Em comparação com o que poderia ter sido, (o acordo) é um milagre. Em comparação com o que deveria ter sido, é um desastre”.

Na opinião do professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Eduardo Viola: “Paris é um acordo fraco do ponto de vista de cientistas que não estão nas manchetes da mídia. Nós começamos há 23 anos e até agora estamos fracassando rotundamente”. Sobre o fundo de R$ 100 bilhões previsto no acordo de Paris, ele afirma que o valor corresponde a 0,4% do PIB mundial e cita estudo do Fundo Monetário Internacional, que aponta que, em 2013, os subsídios diretos e indiretos para a produção de petróleo somavam R$5 trilhões de dólares, o que corresponde a 7% do PIB mundial.

Apesar desse clima de otimismo e esperança, é preciso estar atento a pontos importantes que estão em aberto. O maior colchete do acordo é com relação ao financiamento: ainda não está claro quem pagará a conta, qual o valor a ser pago e como funcionará essa transação. O texto do rascunho atual estimula fortemente países desenvolvidos a “ampliar a escala de seus níveis de apoio financeiro”. Além disso, não indicam uma estratégia concreta para atingir a meta conjuntamente para prover US$ 100 bilhões anualmente até 2020 para mitigação e adaptação às alterações do clima”, segundo Guilherme Karan, em Época (11/12/2015). O coordenador de estratégia da Fundação Boticário chama atenção também sobre o fato do termo “descarbonização” ter sido retirado do documento, pois pode levar a que países tentem neutralizar suas emissões não por mudanças no seu processo produtivo, mas com esforço de recuperação e ampliação de suas florestas. Com isso, nada mudará em sua matriz energética suja. Enfim, “nada está efetivamente definido”.

Em relação ao Brasil, como no mundo, dominou uma visão otimista.

Para o diretor executivo da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável, Fábio Scarano, a novidade de Paris é que os participantes sentiram a necessidade de urgência que o tema requer.  “Se a gente botar isso em prática: desmatamento zero, cumprir o código florestal, segurança alimentar, segurança hídrica, economia de base agrícola de baixo carbono. Se isso acontecer, a gente tem uma chance real de estar, por um lado, conservando e recuperando a natureza, por outro, reduzindo a pobreza através desse processo. Se a gente conseguir fazer isso, vai ser um exemplo para o resto do planeta.”.

O vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira, Marcelo Vieira, destaca que várias metas propostas pelo Brasil já estão previstas em lei, como o Código Florestal, e que o setor agrícola será responsável por boa parte do cumprimento delas. “O implementador [das metas] vai ser o agronegócio brasileiro. A implementação do Código Florestal vai dar a grande contribuição, com a redução do desmatamento na Amazônia, reflorestamento e restauração da vegetação, temos que recuperar 15 milhões de hectares de pastagem degradada, importante para reduzir o uso da terra, produzir o mesmo com metade e liberar terra para a agricultura”.

Roberto Schaeffer, professor de planejamento energético da Coppe/UFRJ e cientista do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, afirmou que o mais impressionante do acordo é que os 195 países, pela primeira vez, concordam com os cientistas que não podemos deixar a temperatura média do planeta aumentar mais de 2°C em relação à era pré-industrial – e ainda por cima mirar em 1,5°C.

Marcelo Furtado, diretor-executivo do Instituto Arapyaú, que foi diretor-executivo do Greenpeace no Brasil por 24 anos, acredita que o acordo vai dar certo por causa do momento especial em que vivemos: sociedade civil e setor privado em uníssono: “Há uma convergência que, se não for isso, não tem solução para o futuro”. (In http://g1.globo.com/globo-news/noticia/2015/12/ambientalistas-comentam-resultados-da-cop21-no-cidades-e-solucoes.html, acessado em 12 de março de 2016)

Mesmo relativo, quais as razões do sucesso tão propalado da COP 21? O que mudou, levando países antes contrários ou reticentes a qualquer acordo a defendê-lo? A imprensa internacional levantou várias hipóteses a respeito: o fracasso de Copenhague, o empenho do governo Francês, o papel de grandes negociadores, a pressão da opinião pública internacional. Além de aspectos particulares como as mudanças no governo americano. Assim, uma das razões do sucesso da COP 21 estaria na posição dos Estados Unidos. O combate à mudança climática é uma das prioridades de Obama, que pretende deixar um legado nessa área quando sair do governo, em janeiro de 2017. Por isso, defendeu que o acordo não tivesse caráter legalmente vinculante em relação aos compromissos de corte de emissões dos países, pois assim, o acordo não teria a natureza de um tratado internacional e poderia entrar em vigor sem a chancela do Congresso americano, onde ele tem minoria.

Todas são razões presentes, interessantes, mas no meu ponto de vista insuficientes. Há uma outra razão por trás não apenas da mudança de posição dos Estados Unidos, mas também de outros grandes países. As mudanças tecnológicas nos últimos 23 anos.

De 1992 a hoje a eficiência energética ampliou-se consideravelmente com a aplicação de novas tecnologias na edificação, manutenção e recuperação na construção civil, mas também nos processos industriais e na produção de bens de consumo doméstico.

A descoberta do gás de xisto nos Estados Unidos reduziu em 30% a produção de gases de efeito estufa comparativamente ao uso de petróleo e seus derivados.

Novos concorrentes entraram em cena no fornecimento de energia. Os números são realmente surpreendentes. Segundo um relatório recente da firma de investimentos Lazard, o custo da geração de eletricidade usando energia eólica caiu 61% entre 2009 e 2015, enquanto o custo da energia solar caiu 82%. Estes números situam o custo da energia renovável em um nível em que é competitiva com os combustíveis fósseis. O crescimento do uso da energia eólica está presente em dezenas de países desde 2010. Ela representa 27% da energia consumida na Finlândia. Mas a China é o maior produtor, sendo responsável por 1/4 da produção mundial, seguido da Alemanha. O país asiático produzia cerca de 40 vezes a produção do Brasil em 2010.

De maneira igualmente surpreendente, é o crescimento da produção de energia solar. A China já é o país mais desenvolvido neste campo tendo alcançado em 2013 a produção de 12 GW, e prevendo mais 17 GW nos dois próximos anos. O Japão é segundo com 10,5 GW, ainda em 2013. A previsão mundial para 2015 era um crescimento de 30%.  A capacidade de conservação de energia com a criação de novas baterias, de metal líquido, tornou menos problemático a produção e uso da energia solar e eólica, graças aos trabalhos de Donald Sadoway, do MIT, entre outros. Isso deverá ajudar a expansão destas fontes alternativas na medica que resolver seu problema ainda central, a intermitência.

Apesar das irregularidades da trajetória recente da produção de biocombustíveis em alguns lugares do mundo o biocombustível tem crescido e a consultoria Lux Research prevê um crescimento da ordem de 11% até 2018.

Finalmente, a produção de energia nuclear, que havia recuado com o desastre de Chernobil, e o mais recente de Fukushima, voltou a crescer. Até recentemente havia 435 reatores de energia nuclear funcionando no mundo. Atualmente há cerca de 65 em construção com uma produção aproximada de 400 GW.

É notório os processos em andamento de uso alternativo de fontes energéticas nos transportes, inclusive de aeronaves. Eles indicam claramente que uma inflexão na matriz energética mundial está em curso e que deve ser acelerada nos próximos anos, na medida em que forem sendo vencidas as resistências das empresas petrolíferas atualmente em crise e novas tecnologias cheguem ao mercado.

Todas essas mudanças tecnológicas em andamento indicam as possibilidades reais e economicamente viáveis de adotar padrões produtivos e energéticos que poderão propiciar uma redução real da emissão de gases de efeito estufa, sem qualquer efeito econômico negativo. E se nossa hipótese for verdadeira a acordo de Paris poderá vingar e representar mudanças alvissareiras para as futuras gerações.

(*) Professor do programa de Pós-graduação do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília.