Clemente Rosas

Greek philosophers (Socrates, Antisthenes, Chrysippus, Epicurus).

Greek philosophers (Socrates, Antisthenes, Chrysippus, Epicurus).

A filosofia não é privilégio dos filósofos.  Todos nós, simples mortais, habitualmente a praticamos.  Ainda que de maneira um tanto simplória, no modelo de M. Jourdan, o burguês fidalgo de Molière, que, diante do seu professor de literatura, deslumbrou-se ao deduzir que, quando pedia os chinelos ao seu criado, estava fazendo prosa, mesmo sem o saber.

Pois é.  Quando nos interrogamos sobre o que estamos fazendo nesta terra, de onde viemos e para onde vamos, por que devemos ser bons e moderados e não simplesmente instintivos, ou como um ser todo-poderoso pôde criar e pode tolerar este mundo injusto, estamos filosofando.

No meu compêndio de filosofia do curso “clássico” (isso mesmo, estudávamos a matéria no 2º grau!), aprendi que ela se ocupava das “causas primeiras e razões mais elevadas de todas as coisas”.  E mais tarde, no livro “Curso de Filosofia” do marxista George Politzer, encontrei conceito ainda mais simples: a diferença entre a filosofia e as ciências consistia apenas em que aquela tratava das questões mais gerais, comuns a estas e, de certa forma, situadas acima delas.  Bem ao gosto do tempo, o autor argumentava que complicar a filosofia era manobra burguesa, para mantê-la afastada das massas operárias.

Assim, desinibidamente, proponho começarmos com uma questão transcendental: qual o sentido da vida?  E espero não surpreender os que me leem com uma pronta resposta: a vida, em si, não tem sentido.  É simples fenômeno químico, como o fogo (não direi bioquímico para não ser redundante).  A metáfora da “chama da vida” é perfeita.

Em defesa da minha tese, não recorro aos cientistas, pois esse campo axiológico extrapola o seu ministério.  Valho-me dos poetas, com o seu dom de captar a realidade de forma intuitiva, e dos aventureiros e exploradores, que se medem com os obstáculos naturais e com eles aprendem, segundo a lição de Saint-Exupéry, de que “mais coisas nos ensina a terra sobre nós do que todos os livros”.

E o que nos dizem eles?  Fernando Pessoa, pelo seu heterônimo Alberto Caeiro: “Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas, rio como um regato que soa fresco numa pedra.  Porque o único sentido oculto das cousas é elas não terem sentido oculto nenhum… As cousas não têm significação: têm existência”. Fridtjof Nansen, explorador polar norueguês: “Life has no meaning.  There is nothing called meaning in the nature.  Meaning is a purely human concept which we’ve put into existence”*.

Sendo, portanto, a vida obra do acaso, e sobretudo a vida multicelular, e mais ainda a vida inteligente, de ocorrência altamente improvável no universo, fora deste “pequeno ponto azul”, não há por que especular sobre o seu sentido intrínseco.  Melhor lhe atribuirmos um.

Pois – e para que não me acusem de niilismo – entendo que a vida pode ter um sentido.  E mesmo deve tê-lo: aquele que lhe atribuirmos.  Para alguns pode ser o de servir a Deus, para outros o puro hedonismo.  O que proponho é o de servir à humanidade, para o bem dos nossos contemporâneos e dos nossos filhos e netos.

A vida não é, afinal, o “absurdo ontológico” de que falam os filósofos irracionalistas, nem, no dizer do poeta persa Omar Khayyam, “um bem que me deram sem me consultar e que restituirei com indiferença”.  É verdade que não fomos consultados, mas me parecem poucos os humanos ansiosos em devolvê-la.  A melhor receita é curti-la sem inquietações, saindo de si para pensar nos outros, como fórmula segura de felicidade.