Cristovam Buarque

Charge de Latuff.

Charge de Latuff.

Coincidentemente, na mesma hora em que um grupo de jovens se divertia em um shopping center em São Paulo, outros jovens estavam em uma masmorra maranhense sujeitos a maus tratos medievais. O Brasil é um exemplo relativamente bem sucedido de miscigenação racial, mas um fracasso na miscigenação social. Pedrinhas e Rolezinhos são apenas duas das diversas manifestações da sociedade que escolheu crescimento separado, sem mesclar sua sociedade. A miscigenação racial se fez nas alcovas reunindo os corpos de brancos e negras, negros e brancas; a miscigenação social só se faria em escolas, reunindo e construindo as cabeças de filhos de pobres e ricos.

Às vezes, fatos distantes e díspares são resultados de uma mesma lógica. Nesta semana, em São Paulo e em outras cidades os frequentadores de luxuosos e confortáveis shoppings tiveram seus direitos perturbados pelo comportamento inconveniente de jovens que se divertiam; no Maranhão e no Rio Grande do Sul, em fétidas e apinhadas prisões, jovens quase da mesma idade foram assassinados e violentados em seus mais fundamentais direitos. Os primeiros jovens mobilizaram-se pela internet para fazer o que chamam de rolezinhos; os encarcerados e isolados morrem a cada dia um pouco enterrados na prisão.

Em Pedrinhas estão os desesperados, nos shoppings estão os desiludidos.

Pedrinhas e rolezinhos são consequência de um mesmo modelo de desenvolvimento econômico com uma estrutura social que parece avançar se desfazendo. São o resultado de décadas de crescimento econômico com distribuição injusta de seus resultados, provocando uma ocupação urbana caótica, sem serviços públicos de qualidade, sem cuidado com o meio ambiente, sem perceber a importância da educação de qualidade para todas as crianças, sem projeto sustentável, justo e eficiente para o longo prazo.

Não oferecem alternativas para os primeiros ficarem fora das prisões e agora querem impedir os outros de se divertirem nos shoppings.

Sobretudo, um modelo que se faz sem miscigenação social.

O mais grave de Pedrinhas e Rolezinhos é que, aparentemente, não percebemos esses fatos como partes do modelo de desenvolvimento que escolhemos décadas atrás e que a democracia, ao invés de reorientá-lo, parece ter aprofundado, aprisionando ainda mais o Brasil no imediatismo de cada eleitor.

Neste mesmo ano de Pedrinhas e Rolezinhos, vamos ter uma eleição presidencial, a sétima desde a redemocratização, e tudo indica a mesma falta de debate sobre o futuro do país. Os candidatos disputarão entre si para ver quem oferecerá mais benefícios no imediato para cada pessoa, graças à continuidade do mesmo modelo, e não por meio de um desafio para reorientar o rumo e construir um futuro comum. Nenhum candidato parece disposto a propor políticas que façam a miscigenação social, que transforme um país socialmente dividido em uma nação socialmente miscigenada. Porque a miscigenação racial se fez atendendo aos desejos imediatos, mas a miscigenação social se faz exigindo sacrifícios ao longo de anos.

A solução para os “inconvenientes” de Pedrinhas e Rolezinhos está em uma escola de qualidade, e com a mesma qualidade, independente de que lado do muro social estão os pais e as crianças.

*Cristovam Buarque é professor da UnB e senador pelo PDT-DF.