Teresa Sales

24 de outubro de 2014

Lula e FHC, dois ex-presidentes e principais líderes dos seus partidos, PT e PSDB.

Lula e FHC, dois ex-presidentes e principais líderes dos seus partidos, PT e PSDB.

TPE – tensão pré-eleitoral. Assim está nosso país às vésperas de uma eleição presidencial de tantas surpresas. Os programas de governo em pouco ou quase nada diferem um do outro. O que leva então a debates tão acirrados, a ponto de abalar até amizades sólidas? Felizmente, estas se refazem ao simples bom senso e, vejam bem, até mensagens nas redes sociais lembram esse valor maior.

Na política, valor maior é a democracia. Quem viveu 21 anos de ditadura militar sabe disso na pele.

Nesse artigo, proponho-me a um olhar retrospectivo, em rápidas pinceladas, que, a meu juízo, pode trazer alguma luz sobre o que está por trás da sociedade brasileira rachada, como diz o nosso editorial de hoje.

Irmanamo-nos todos na luta pelas Diretas Já. Naquele momento, as diferentes opções partidárias ainda não dividiam a nação, porém com uma exceção: o Partido dos Trabalhadores. Vale uma lembrança pessoal. Num dos comícios pelas Diretas Já na Praça da Sé em São Paulo, cidade onde então eu morava, anuncia-se a palavra de Ulisses Guimarães. Estou ladeada de jovens que em coro vaiam, tanto ele como Franco Montoro e qualquer outro que não fosse Lula. Na hora deste, tomaram um susto quando eu a eles me junto e ainda acrescento vivas a meu conterrâneo!

O movimento da política ora se aproxima, ora se afasta da sociedade, tendo em vista coalizões possíveis para governar. Assim, a sociedade organizada em torno das Diretas Já teve que engolir as eleições indiretas. E, como se não bastasse, com o desastre da morte de Tancredo Neves, o seu vice José Sarney. Estávamos em mais um recomeço da democracia, cujo governo teria que enfrentar uma situação econômica desastrosa. O Plano Cruzado e mais dois que lhe sucederam tiveram curta duração. A crise econômica persistia. Vieram as primeiras eleições diretas, onde, no segundo turno, a maior parte daquela mesma parcela da sociedade mobilizada pelas Diretas Já uniu-se em torno da candidatura de Lula.

Collor de Mello, que encontrou o país em uma situação econômica dramática depois da chamada “década perdida” dos anos de 1980, onde os índices de inflação atingiram 685% em 1988 e 1.320 em 1989, só aumentou a frustração do povo brasileiro, resultando em seu impeachment dois anos após a eleição. Não foi por coincidência que, a partir de meados da década de 1980, acirrando-se na Era Collor de Melo, pela primeira vez na nossa história, brasileiros emigram para outros países.

Tem momentos em que decisões de pessoas e grupos organizados podem mudar o rumo da história. No Brasil, um desses momentos foi quando o vice-presidente Itamar Franco assumiu o governo no lugar de Collor de Mello. Havia ali uma possibilidade, com houve outras antes, de se juntarem as forças progressistas do país, nas quais os partidos PT e PSDB eram os principais representantes.

O PT, com uma militância aguerrida, uma ética purista achando-se acima do bem e do mal, cometeu nesse momento um erro histórico com danosas consequências para o país. Tomou o PSDB como seu principal inimigo, quando seria seu aliado natural. A direita correu solta nos partidos nanicos, assim como no PMDB e PFL, em torno dos quais foram se alinhando as forças conservadoras, essas sim, danosas à formação de nossa democracia social e desde então em crescimento ascendente no Congresso Nacional e em todas as instâncias do poder legislativo.

Os governos do PT, tanto como fizeram os do PSDB antes dele, ficaram reféns, para governar, de um poder legislativo atrasado num sistema de governo presidencialista e de partidos aliados igualmente conservadores. O que resultou em barganhas (acrescidas às eleitorais, como brasas a alimentar a corrupção endêmica do Brasil) que assumiram seu máximo patamar com o mensalão do governo Lula.

A política econômica, que manteve os mesmos princípios básicos desde o Plano Real do PSDB até os governos petistas, não deverá mudar substancialmente, seja qual for o candidato eleito em 2014. Os programas sociais também. Deverão certamente ser ampliados e aperfeiçoados e disso ninguém discorda. Há um reconhecimento das forças progressistas (que incluem tanto PSDB, que deu o passo inicial desses programas, como do PT, que os tornou muito mais amplos) da sua importância. Há quem os ache uma esmola, sendo necessário sim uma política social lastreada no emprego e na educação.

Eu tenho uma posição francamente favorável a tais programas sociais e considero esse o grande mérito dos governos petistas: ter ampliado em grande escala o poder de consumo dos mais pobres e desassistidos. Uma dívida do Brasil para com a nossa extrema desigualdade social e pobreza; um passo necessário (mas não suficiente) para a conquista da cidadania do povo brasileiro. A melhoria das condições econômicas de amplas parcelas da população, o início de uma legislação decente para o maior contingente do setor serviços de nosso país, o emprego doméstico, tudo isso possibilita um acréscimo indireto no piso de salário dos trabalhadores.

Considero, contudo, que é fundamental hoje tirar de vez o caráter personalista que Lula imprimiu a esses programas. Esse caráter personalista, além de render votos, faz renascer padrões personalistas próprios aos governos populistas, que são um retrocesso na nossa história política. É a figura do líder que se sobrepuja ao Estado na relação com a sociedade. O que só vem a reforçar o patrimonialismo do Estado brasileiro.

Esse é um dos aspectos importantes da proposta de Governo de Aécio Neves, meu candidato a Presidente da República. Ele se propõe a transformar o Bolsa Família em Política Pública (o que implica em emenda constitucional), em vez de Programa de Governo, tal como foi institucionalizada nos governos petistas. São Políticas Públicas vários programas sociais que antecederam os governos petistas, tais como o LOAS, que assegura um salário mínimo para deficientes mentais, o Prorural, que assegura salário para trabalhadores rurais aposentados independentemente da contribuição sindical, e tantos outros. Essas políticas públicas não têm padrinhos e estão incorporados aos direitos sociais do povo brasileiro.

Oito anos do governo personalista de Lula, martelando sempre na mesma tecla de “nunca antes nesse país” e cooptando os movimentos sociais, resultou numa sociedade amorfa, como são aquelas comandadas por lideranças populistas carismáticas. Fosse Dilma ou Serra seu sucessor, era de se esperar que o gigante adormecido despertasse. O ano de 2013 foi um marco. E certamente a sociedade brasileira vai continuar querendo mais do que o que conquistou até agora. É esperar para ver.