José Arlindo Soares*

Trotsky em Copenhague, 1932.

Trotsky em Copenhague, 1932.

Em 21 de agosto de 1940, há exatos 75 anos, tombou brutalmente  assassinado na cidade de Coyacán no México – o  líder revolucionário  Leon Trostsky,  legendário criador do exercito vermelho  e o segundo  líder mais destacado da primeira Revolução Socialista do Mundo. O Golpe de picareta que abateu o revolucionário russo  não foi um  episódio isolado de vingança de Joseph Stalin, e sim a culminância de um de processo que desfigurou a implantação da pioneira experiência socialista e a transformou em um uma caricatura de seu ideário inicial.

Em 03 anos (1937/40), com a montagem dos famigerados processos de Moscou, o Estado policial engendrado por Joseph Stalin prendeu e executou 98 dos 130 membros que faziam parte do comitê Central do Partido Bolchevique em 1917, todos acusados de terem se aliado à “conspiração trostsco/fascista”, farsa montada para legitimar os chamados processos de Moscou.  Para se ter uma ideia da grosseria dessa engenharia repressiva,  o Politbureau do Comitê Central do Partido, no momento da Revolução, era  constituído por  Lenin, Stalin, Trotsky, Kamanev, Bugarin e Zinoviev, os três últimos pertencentes ao núcleo mais representativo do Leninismo, o que não impediu que fossem presos,  humilhados e obrigados a confessar abomináveis crimes de traição, em troca da preservação da vida de seus familiares.

O totalitarismo Stalinista não perseguia apenas os pretensos adversários, mas desconstruía a história pessoal de cada dirigente, inclusive com chantagem, perseguição, desterro  e assassinato  dos familiares. Depois da morte de Lenin, todos os lideres mais proeminentes foram acusados e condenados como cabeças da contra-revolução. Em razão do carisma, brilhantismo e imagem internacional de Trotsky, Stalin não ousou submetê-lo à prisão e ao tribunal, preferindo mandá-lo para o exílio, de forma a preparar o momento mais adequado para o seu extermínio.  Considerando o numero de dirigentes bolcheviques acusados de traição,    poder-se-ia chegar à esdrúxula conclusão de que a Revolução Socialista Russa havia sido liderada por traidores e elementos contrários ao socialismo. Na verdade,  estava sendo dizimada toda a elite bolchevique que tinha a memória e a teoria viva das lutas socialistas, e sua eliminação abriria  caminho  para desfigurar completamente os principais princípios  do ideário revolucionário, dando lugar a arrivistas que ascenderam na crista do culto à personalidade do chefe Stalin, condição única para ascender na estrutura burocrática do partido e do Estado.

Com o partido absolutamente controlado, a repressão se abateu sobre a sociedade, particularmente na coletivização forçada da terra, o que levou ao desterro , à fome e à morte de cerca de 10 milhões de pessoas, conforme cálculos de pesquisadores que se debruçaram sobre os Gullags.

A maior parte dos ensaios jornalísticos que tratam do assassinato de Trotsky analisam o fato como resultado apenas da luta pelo poder entre dois dirigentes da revolução, ou então atribuem o desfecho da luta pelo poder à personalidade patológica do chamado guia supremo da URSS. No entanto, as condições políticas para crimes do Stalinismo têm raízes anteriores, que estão nos próprios conceitos fundantes do partido bolchevique e nas normas de convivência política instituída pelo regime logo após a revolução – o totalitarismo como conceito.

No conceito original dos bolcheviques estava a ditadura do partido único  em nome do proletariado,  com a proibição da existência de tendências internas  e do não reconhecimento de outros partidos , mesmo os do campo socialista. Trotski contribuiu com  votos favoráveis e com pronunciamentos para consolidar o modelo que, um pouco mais tarde, consagraria o terror Stalinista. No exílio,  teve sempre  dificuldades de justificar suas posições nos primórdios  da revolução, porém se apegava a questões de princípios e a defesa da revolução e do Estado Operário. Aliás, o famoso exilado procurou se manter sempre, e de forma intransigente, em defesa do marxismo e do leninismo, o que o impedia de abrir outros horizontes teóricos em direção ao socialismo democrático, o qual já era discutido na Europa ocidental.

Na relação com a esquerda internacional, a massificada propaganda ideológica de Stalin tinha duas preocupações: manter a fidelidade absoluta  dos partidos comunistas e diminuir a desconfiança de intelectuais europeus, liberais e de esquerda, sobre o dilema entre a defesa da primeira experiência socialista e as denuncias da brutalidade e do terror da burocracia do Estado soviético. Nesse sentido, foi funcional para o Stalinismo impedir a Frente Única entre comunistas e sociais-democratas nas eleições da Alemanha que levaram a vitória do partido Nazista. A estratégia de Stalin era aproveitar a ascensão do Nazismo para escoimar qualquer dúvida sobre a importância de defender sem contestação a URSS.

Amparado por condições políticas favoráveis que  transformaram a ideologia stalinista em uma religião, além de viver um momento de recuperação da economia industrial soviética,  o  chamado Guia Genial do Povos lança a última etapa de seu plano de eliminação de todos os seus adversários e articula meticulosamente o assassinato do mais brilhante revolucionário ainda vivo.

A Picareta manuseada pelo agente da KGB  Ramon Mercader revela de forma brutal e contundente a antítese do ideário socialista previsto pelos seus teóricos, enquanto o fundador do exército revolucionário tomba, mantendo ainda a  mitologia da revolução de outubro.

*Sociólogo, pesquisador do Centro Josué de Castro e professor aposentado da UFPB.