Luiz Otavio Cavalcanti

Nazistas queimam milhares de livros na Bebel Platz, Berlim. 10 de maio de 1933.

Semana pedagógica, esta. Na sala de aula da democracia brasileira. Uma tentativa de censura na bienal do livro, no Rio. Autografada pelo prefeito Crivella. E uma tentativa de desconstruir o regime democrático. Assinada pelo vereador Carlos Bolsonaro.

Isto tem a ver com A Sociedade Aberta e seus Inimigos, de Karl Popper (1902/1994). O livro rastreia as pegadas que alimentam as doutrinas opostas ao exercício da liberdade humana. É um poderoso argumento contra o historicismo que vem de Platão, passa por Hegel e empunha Marx. Mostra a nostalgia religiosa que nutre elementos irracionais do Estado totalitário.

Para seus defensores, o Estado seria a forma suprema de modernidade. E constituiria expressão superior ao conjunto dos homens. No ápice do edifício estatal, estaria o mito, o herói. Pode ser tanto Hitler quanto Mao Tse Tung. Amarrados, um ao outro, no nó do totalitarismo.

É o dogmatismo antidemocrático que os une. E leva o povo ao fanatismo político. Daí, passar à opressão é um pulo. Então, nasce o medo à liberdade. O retorno à cultura fechada de tribo. E a fissuras no coliseu da democracia. Por onde se infiltram oportunistas do autoritarismo. Pregando a pressa (e a censura) que aniquilam o verso democrático.

A visão liberal de Popper é progressista. Porque impregnada de senso de justiça. Que deve estar sempre presente no horizonte do mercado. Para que os lobos não comam os cordeiros, como acentuou Isaiah Berlin. A liberdade, para Popper, não só garante meios civilizados de vida. Mas estimula a imaginação criadora. E é requisito do saber, do pensar crítico, do aprendizado com os próprios erros.

Pois bem: mesmo não existindo leis históricas determinando o processo civilizatório, não significa que deixe de haver tendências na história política. A Segunda Guerra Mundial, conflitos no Oriente Médio, a ditadura recentemente instalada na Venezuela, são eventos cujo devir já ingressara no campo das possibilidades reais.

No caso do Brasil, recordo três episódios cuja sintomatologia política se delineava no tempo social: a morte de Vargas, o golpe de 64 e a queda de Dilma Rousseff.

Vargas sofreu um processo de desconstrução política de dentro para fora do Palácio do Catete. Com a passividade do irmão e do chefe de sua segurança pessoal. E de fora para dentro do governo, comandado pela agressividade parlamentar do líder da oposição, Carlos Lacerda. Sua saída do poder podia ser sentida nas ruas.

O golpe de 64 foi a culminância de exacerbações políticas. De um lado, o discurso virulento de Brizola e a insubmissão de cabos e soldados. De outro lado, a articulação militar que considerava intolerável o clima de insubordinação reinante nas Forças Armadas e no país. No meio desse entrechoque, Jango Goulart. Um presidente sem maioria no Congresso Nacional. Sem suporte institucional. Sua deposição foi capítulo de uma novela que se desenhava no corpo e na alma da nação.

O que há de comum entre Vargas e Jango ? O trânsito de forças antidemocráticas. Elas se movimentaram ostensiva ou sorrateiramente. No caso de Vargas, ostensivamente. No caso de Jango, sorrateiramente.

Nesta altura, é bom que a sociedade expresse, clara e firmemente, posições em favor da democracia. Contra a censura e contra o totalitarismo. Que a barreira cidadã pela liberdade faça as trevas recuarem.