Sérgio C. Buarque

“A civilização na encruzilhada” é o título de um livro publicado na década de 60 do século passado escrito e coordenado pelo filósofo tcheco Radovan Richta, que explorava os dilemas que a humanidade iria enfrentar diante da acelerada revolução tecnológica com suas implicações sociais e humanas. Quase na mesma época, o Clube de Roma publicou o famoso relatório intitulado “Os limites do crescimento”, com outra dramática advertência para o futuro: para continuar o ciclo de crescimento da economia o planeta sofreria uma dramática pressão antrópica decorrente da industrialização e da exploração maciça de recursos naturais.

O futuro chegou e quase 50 anos depois da publicação destes dois documentos, a civilização continua diante de um dilema grave nesta corrida desenfreada de consumo e de crescimento produtivo que não leva a lugar nenhum, exceto ao abismo. A não ser que faça uma escolha correta, normalmente a mais difícil, diante desta encruzilhada, as advertências do Clube de Roma foram adiadas mas continuam atuais.

De qualquer forma, podemos pensar, de ameaça em ameaça, desde Thomas Malthus, o mundo continua avançando e, convenhamos, melhorando em muitos aspectos de condição de vida da humanidade, embora com a exclusão de uma parcela significativa da mesma. Quando Malthus escreveu seus ensaios sobre a população, no início do século 19, o mundo tinha pouco menos de um bilhão de habitantes e a economia era essencialmente agropecuária. Segundo ele, o crescimento exponencial da população não seria acompanhado pela produção de alimentos, que cresceria de forma aritmética e com custos crescentes, antevendo o desastre no longo prazo. As mudanças tecnológicas desmoralizaram a teoria malthusiana e a produção de alimentos deu saltos espetaculares ao longo de dois séculos.

O relatório do Clube de Roma foi publicado mais de um século depois de Malthus, quando a população mundial já batia os 3,7 bilhões de habitantes, a esta altura com uma grande voracidade consumidora de energia e bens industriais. No ano 2000, já éramos 6 bilhões de habitantes, mas novos ciclos de inovação tecnológica permitiam a ampliação da produção agrícola e industrial e a geração de energia. Malthus e o Clube de Roma foram jogados no esquecimento, embora ainda existisse um bilhão de miseráveis e houvesse uma crescente degradação ambiental no planeta.

No entanto, com dois séculos de atraso, por razões diferentes e apesar de grandes inovações tecnológicas, as advertências de Malthus se manifestam agora como uma revolta da natureza contra o acelerado e descontrolado consumismo da população, amplificado pela expansão demográfica. Com um PIB de US$ 70 trilhões, baseado em energia fóssil, o planeta já não é sustentável nos padrões atuais com os 7 bilhões de habitantes. Em 2050 (daqui a pouco), estima-se uma população mundial de 9 bilhões de habitantes e o PIB mundial deve passar de US$ 280 trilhões, um salto de quatro vezes, atendendo ao desenfreado consumismo global.

A natureza não sofre mais porque, lamentavelmente, cerca de 2 bilhões de pobres ainda estão marginalizados do consumo, porém, a cada melhoria de renda e redução da pobreza, uma parte destes bilhões entra na festa, ampliando a demanda mundial por produtos e energia. Se não houver uma alteração no perfil e na intensidade do consumo de bens industriais e energéticos, a corrida de nove bilhões de pessoas alucinadas nas gôndolas dos mercados levará o planeta ao desastre. E a natureza se vinga e se revolta contra a civilização. Os que já estão na farra – os cidadãos dos países ricos e os ricos dos países pobres – não querem renunciar à compra da última novidade e dos novos produtos que se multiplicam no mercado; e os dois bilhões de pobres no mundo que estão excluídos desejam, com razão e direito, participar da festa.

Novas tecnologias podem moderar ou adiar este cenário. A civilização vem, com algum sucesso, empurrando a encruzilhada para frente, adiando as decisões, evitando fazer escolhas e torcendo para que estas tecnologias possam sempre contornar os problemas; mesmo que estas criem novos desafios e problemas humanos, sociais e ambientais, tudo para preservar esta corrida irracional de consumo. Mas a velocidade de crescimento do consumo tende a superar a capacidade de inovação e difusão de tecnologias, mesmo porque são as inovações que estão inundando o mercado com novos encantadores brinquedos para o fascínio dos consumidores, dos que podem comprar e dos que apenas sonham.

O dilema da humanidade neste início do século é simples: mais consumo ou mais consumidores? A inserção de dois bilhões de novos consumidores, esta massa de marginalizados, dentro do padrão dominante nos países desenvolvidos, para alcançar justiça, multiplicará dramaticamente a produção e, portanto, a pressão sobre o meio ambiente. Em outras palavras, se não houver uma mudança no nível de consumo e no padrão do consumo mundial, sobram duas alternativas: desastre ambiental ou marginalização social. Ou, o que seria pior e provável, uma combinação dos dois com a convivência do consumo conspícuo e desenfreado, de um lado, e a persistência de marginalização social e pobreza, de outro. Pode ocorrer um “milagre” tecnológico que quebre o impasse e adie mais um pouco a encruzilhada civilizatória. Mas, vamos esperar por este “milagre”?