Luiz Otavio Cavalcanti

A lista de Fachin é ambígua. Porque misturou responsabilidades de graus diferenciados. E, ao mesmo tempo, é saudável. Porque foi institucionalmente afirmativa. Mas a lista de Fachin sobretudo entrega ao eleitor uma certidão de óbito.

A certidão de óbito entregue pela lista de Fachin é a de uma geração de políticos. Uns vão desaparecer pela decrepitude de ideias. Outros vão fenecer pela fadiga de material político. Todos afogados na onda de indignação do cidadão brasileiro.

O cenário em que a política nacional se desenrola apresenta três acentuações: polaridade de posições, esgotamento do discurso e falta de grandeza política.

Polaridade de posições é tática política que carrega alto custo para a Nação. Porque reduz o grau de coesão social. Na prática, o antagonismo, gerado pelo argumento da luta de classes, empobrece o país. Porque descontrói o esforço pós- eleitoral. Que deveria (re)unir todos os eleitores, como sociedade organizada, em torno de objetivos comuns.

A propósito, pesquisa recente, realizada pela Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, na periferia de São Paulo, mostra que as pessoas de menor renda cansaram do discurso acirrado da dissenção. Querem empreender. Crescer na vida.

Aqui, chegamos à segunda acentuação: o discurso político atual esgotou-se. O discurso da esquerda Lulista naturalizou-se no clientelismo como moeda de troca parlamentar. Abandonou breve marca reformista. Aliou-se ao que de mais retrógrado existe na política brasileira. E perdeu o rumo na lama. A esquerda brasileira atualmente está órfã. É conceito sem prática e com pouca militância.

Por sua vez, o discurso da direita radicalizou-se na insensatez de Bolsonaro. Que sequer tem o talento midiático de Trump. Mas desperta escombros em pregação revogada pela modernidade.

O discurso de centro é espaço em busca de um ator. Já foi exercido, com outro brilho, pelo PSDB. Mais à esquerda, no tempo cívico de Mario Covas. Mais à direita, recentemente, na era provincial de Alckmin.

Os socialdemocratas do século 21, no Brasil, não souberam dar continuidade ao belo projeto de Covas, José Richa, Euclides Scalco, Tasso Jereissati, Egídio Ferreira Lima e Sílvio Pessoa. Permitiram que se perdesse, na falta de audácia, rara chance política de modernização partidária.

O colunista Carlos Castelo Branco dizia que o centro político é móvel. Ele será sempre ocupado pelo talento. E pela capacidade de converter em ação os anseios populares.

Alcançamos, então, a terceira acentuação: falta-nos grandeza política. Na eleição de 1989, o eleitor brasileiro dispensou os serviços de Ulysses Guimarães, Aureliano Chaves e Leonel Brizola. De lá para cá, dois nomes, e apenas dois nomes, ganharam latitude política: Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula da Silva. O primeiro é octogenário. Viu-se emérito. O segundo é investigado em cinco processos pelo Ministério Público Federal. Tornou-se pretérito ?

O que nos resta ?

Além de certidão de óbito, a lista de Fachin nos entrega também a descoberta de um sol nascente. Porque, ao enterrar na bruma da indignação popular, uma geração de políticos, a lista de Fachin desagua na eleição de 2018. E, como não há vácuo em política, novos atores assumirão lugares no proscênio.

A transição do período Temer produzirá desgaste dos dois lados: aliados e opositores. A aliados, na medida em que o custo político das reformas possa ser atribuído aos que apoiam o governo. A opositores, na medida em que os benefícios das reformas comecem a indicar o acerto das medidas reformistas. Com ajuda de inflação cadente (4,7%), juros de um dígito (9%) até final do ano e taxa positiva de crescimento do PIB.

Por cima de tudo isso, a operação Lava Jato acarretará impactos extensos no universo partidário. Encerrando carreiras, disseminando nova institucionalidade eleitoral e incentivando outro padrão moral ao mundo público.

A lista de Fachin traz um atestado de óbito. E entrega igualmente uma certidão de nascimento.  A questão, que se põe ao eleitor e à Nação, é: onde buscar perdida grandeza política ? Capaz de, com coragem, assumir risco de dizer à população o que ela precisa saber ? Capaz de, com seriedade, enfrentar o desafio de defender as reformas de que o país precisa ?

É curioso como começa a se delinear no horizonte um duplo: Lula e João Dória. Esse duplo é, em tudo, um oposto ao outro. Um, político há quarenta anos. Outro, político há dois anos. Um, populista. Outro, liberal. Um, patrocinador do capitalismo de Estado. Outro, defensor do capitalismo de mercado. Um, ligado a práticas patrimonialistas. Outro, noviça proposta a ser testada.

Não se busque um salvador. Triste o país que precisa de heróis, disse o autor alemão. Mas que os fados inspirem a sociedade brasileira a produzir um movimento político que frutifique. Mobilizada objetivamente em torno de ideias, programas e compromissos.

Grandeza política é feita de arquitetura construída em três pilares: programa, talento e espírito público.