Elimar Pinheiro do Nascimento[1]

Nos anos 1970, o país estava dividido entre os defensores e os opositores do regime militar. Já nos inícios deste século, o PT introduziu uma outra divisão, entre o “Nós” e o “Eles”, tentando convencer o povo de que o “Nós” eram os defensores dos pobres, da ética e da democracia. O “Eles” eram os reacionários, defensores da desigualdade e contra os direitos humanos. No ano passado, foi introduzida a divisão entre os que foram a favor do impeachment e os que foram contra. Mas essas narrativas de golpe, com o passar dos dias, começaram a se desfazer. A divisão foi substituída por outra, entre os que são a favor e os que são contra as reformas. Agora, uma nova divisão parece ganhar forma, resultado das delações da Operação Lava jato.

As delações dos 77 executivos da Odebrecht revelaram as entranhas da política brasileira de forma pornográfica. Apesar da afirmação de alguns especialistas de mercado, de que se tratava de um “não evento”, provavelmente por um excesso de esnobismo, a Nação ficou estarrecida. Afinal, os detalhes são perversos. Tudo é objeto de negociação no reino da política e do Estado. As decisões são tomadas em função de  de empresas e partidos, e sempre escondendo interesses escusos.

As delações da Odebrecht envolvem mais de uma centena de políticos e 26 dos 39 partidos. Cerca de uma centena de inquéritos estão sendo abertos  em todo o País.  As direções de todos os grandes partidos – PMDB, PT, PSDB, PP e DEM – estão envolvidas. Todas as grandes lideranças e  os presidenciáveis – com raras exceções, como Marina e Cristovam Buarque – foram citados pelos executivos, seja simplesmente recebendo dinheiro para suas campanhas sem declarar, seja trocando/comprando favores. Assusta o montante de dinheiro que se distribui. São mais de 10 bilhões, só pela Odebrecht. A maioria dos leitores não deve ter nem percebido que o dinheiro distribuído por esta empreiteira, até com políticos que não lhe eram simpáticos ou não tinham chances de vencer as eleições, eram recursos, não da empresa, mas nossos. Recursos públicos, embutidos no superfaturamento das obras. Dinheiro retirado dos hospitais, das escolas, da segurança pública e da infraestrutura econômica, entre outros.

Por enquanto, as delações foram apenas de uma empreiteira. Outras virão, e o espectro dos corruptos aumentará, sobretudo pelo fato de que, anteriormente restritas à Operação Lava Jato, as delações a transbordam, e outras operações surgirão, com novas investigações e delações. Ademais, o setor financeiro, um grande financiador de campanhas, ainda não falou. O Judiciário ainda não foi atingido, mas em breve o será. Fala-se que um ministro do STJ será revelado nas delações da OAS. A sensação é de que não ficará pedra sobre pedra. O sistema politico aparentemente se desfaz. E ninguém sabe o que se erguerá em seu lugar. Porém nada está resolvido, os políticos não estão condenados, nem se sabe se de fato serão. Nem se o sistema político será de fato refeito, ou simplesmente recauchutado.

Por isso é perigoso o que a mídia começa a divulgar, apesar das negativas. Estaria em curso um acordão entre os maiores lideres do PMDB, PSDB e PT. Acordão que, diga-se de passagem, não passa necessariamente por uma conversa reservada entre os três, o que seria ingênuo, mas seria intermediado por políticos dos três partidos. Pode não ser verdade, contudo não lhe falta lógica. E os sinais são muitos para se pensar o contrário. Quando Lula diz a Temer, por ocasião do velório de sua esposa, que “precisamos conversar”, o que estes dois personagens têm a conversar? Qual o único interesse comum?

No Parlamento já se gestam monstros, como o aumento do financiamento público para mais de dois bilhões de reais, e um sistema eleitoral exclusivamente em lista, escondendo  dos eleitores os candidatos implicados na Operação Lava Jato. Além da lei contra o abuso de autoridade, que na realidade é uma forma de inibir a ação do Judiciário contra as transgressões dos políticos.

Esses movimentos revelam o surgimento  de uma nova divisão no País: de um lado, aqueles que estão a favor da continuidade das investigações, e de outro aqueles que lhe são contrários. Uns que estão a favor do perdão aos que roubaram (e provavelmente ainda roubam), e outros a favor do julgamento e da punição dos corruptos. E o mais incrível, e inacreditável há três anos: a direção do movimento a favor da corrupção está com o PT e seu líder maior. Para eles, Moro é um agente da CIA e a Lava Jato uma operação do Imperialismo, para impedir o crescimento econômico do Brasil. Por isso, para estes, a recuperação econômica do país e o retorno do emprego passam pela suspensão das investigações, delações, prisões, julgamentos e punições. Lutam pela anulação pura e simples da Lava Jato, como já ocorreu com outras operações, como a denominada Castelo de Areia (2009), pois só assim o país retomaria o crescimento econômico e, claro, sobreviveria a velha classe política e a velha e corrupta forma de fazer política.

A resolução dessa nova clivagem definirá o futuro do país. Do lado que ficar a maioria do povo brasileiro será o fator determinante de qual Brasil teremos nos próximos anos.

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[1] Sociólogo, professor dos Programas de Pós-graduação em Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília e de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia da UFAM.