Sérgio C. Buarque

O ministro Paulo Guedes está certo, o Brasil precisa de um choque liberal para destravar a economia, aumentar a eficiência das instituições e, principalmente, recuperar as finanças públicas. Ao longo das décadas e mesmo depois das reformas realizadas no governo de Fernando Henrique Cardoso, incluindo a privatização de grandes estatais, o Estado brasileiro continua uma estrutura altamente pesada, cara e ineficiente, que atrapalha a atividade econômica com um emaranhado desconexo de legislações, enorme parafernália burocrática e um complicado e ineficiente sistema tributário. O Estado está literalmente falido e, portanto, incapacitado de oferecer serviços públicos de qualidade aos brasileiros. E, nas palavras de Guedes, virou “uma máquina perversa de transferência de renda” em benefício de corporações fortes e organizadas, cujo melhor exemplo é a Previdência Social, sumidouro acelerado de recursos públicos, com a alocação altamente desigual dos benefícios (20% dos mais ricos recebem mais de 40% de todos os benefícios, enquanto os 20% mais pobres ficam com pouco mais de 3% do total). Para se ter uma ideia, o déficit do sistema previdenciário da União (INSS e previdência do servidor público federal) alcança a cifra astronômica de R$ 300 bilhões, quase três vezes o orçamento federal da Educação.

Se o ministro da economia está correto na defesa do choque liberal na economia, ele se equivoca completamente quando imagina que este deverá “enterrar o modelo social-democrata” do Brasil. Em primeiro lugar, é importante que se diga ao ministro que o Brasil não tem absolutamente nada de social-democracia, modelo econômico e social que articula a economia e o mercado com o desenvolvimento social, promovendo igualdade de oportunidades sociais. A social-democracia não se caracteriza pela simples distribuição de renda (menos ainda uma distribuição invertida, como no Brasil) e sim pela oferta ampla e equibrada de serviços públicos de qualidade, principalmente educação. O que temos no Brasil é o oposto de social democracia, um Estado distorcido e descontrolado, apropriado por diferentes corporações e grupos de interesse, orientado muito mais para a distribuição de renda individualizada (esta também bastante desigual), que para a oferta coletiva e equilibrada de serviços púbicos. A social-democracia não se identifica pelo volume dos gastos ou pelo descontrole destes, nem sequer pela distribuição de renda, e sim pela alocação dos recursos governamentais no provimento amplo de serviços públicos e na regulação eficiente da economia.

Ao contrário do que pensa Paulo Guedes, um choque liberal da economia brasileira deve servir precisamente para que se possa avançar nos investimentos estruturais característicos do modelo social-democrata, especialmente na oferta de serviços públicos de qualidade, com destaque para a educação. A reestruturação do Estado brasileiro não é, absolutamente, a negação da social-democracia. Ao contrário, é uma condição para a implantação de um modelo de desenvolvimento que ofereça igualdade de oportunidades na sociedade, possível apenas com a retomada do crescimento da economia e a eliminação dos entraves financeiros do Estado. A reforma do Estado brasileiro é fundamental e urgente. Mas não para reduzir o seu tamanho e sim para fortalecer seu papel como provedor dos serviços públicos de qualidade.