Elimar Pinheiro do Nascimento[1]

As situações de crise aguda têm características e efeitos específicos. Aguda para diferenciar de crônica, que é a forma de existência da sociedade moderna, sempre em movimento, sempre em mudança, sempre variando entre equilíbrio e desequilíbrio. Portanto, sempre em crise, com destruição e criação de postos de trabalho e estilos de vida. Marx identificou ainda no século XIX esta característica da modernidade, a velocidade das mudanças, a efemeridade do que é aparentemente sólido, pois sempre se desmancha no ar. A crise aguda, que representa uma situação de ameaça à reprodução do sistema, é distinta e reveste-se de especificidades. A velocidade e a tensão da dinâmica social (política e econômica) tende a ofuscar a capacidade de discernimento dos atores. Esta é uma de suas especificidades. A tensão é tão grande que os atores não conseguem enxergar além do imediato, e suas decisões podem comprometer o futuro.

Um exemplo retirado da velha gestão do tempo pode nos ajudar a compreender isso. Normalmente, os gestores do tempo partem do princípio de que o tempo é um capital escasso e irredutível. Passou, está passado, não tem retorno. Assim, é preciso organizar as tarefas em quatro categorias no jogo entre urgência e importância: a) urgente e importante; b) urgente e não importante; c) não urgente e importante e, d) não urgente e não importante. Aquilo que está na primeira e última casas é fácil de resolver. Na primeira é indispensável fazer, e na última, provavelmente, é o que não poderá ser feito, pois colocado sempre na “sobra do tempo”. O problema está entre as casas 2 e 3. Qual o prioritário? Em tempos normais a escolha é clara: não urgente e importante, ficando para secundário aquilo que é urgente, mas não importante. Em situações de crise as casas se invertem. Passa a existir o império da urgência. E o estratégico é esquecido, com consequências múltiplas sobre o futuro. Ademais, nesta situação de crise, muitas das coisas que são urgentes e importantes são relegadas, tornam-se não urgentes e importantes, quando não se tornam não urgentes e não importantes e, portanto, na quarta escala de prioridade, que na maioria das vezes não é possível alcançar.

Nos encontramos nesta situação de inversão. Somos todos prisioneiros daquilo que está na agenda do dia, da urgência, do imediato, e esquecemos coisas fundamentais que sem dúvida irão comprometer nosso futuro.

Sem dúvida que devemos enfrentar e nos dedicar a influenciar as decisões em torno da definição das regras eleitorais de 2018, pois trata-se de algo urgente e importante. Com as regras presentes, provavelmente teremos resultados similares aos que nos levaram a este tipo de Parlamento. Extremamente conservador, e vinculado estreitamente aos grandes grupos econômicos. Um parlamento apropriado por interesses corporativos, nem sempre condizentes com os interesses nacionais ou da maioria. Sem dúvida temos que discutir a solução para o déficit crescente da Previdência, que com a mudança etária da população tende a se colapsar, além de roubar a capacidade do Estado em investir em infraestrutura econômica e social. Mas passamos o dia discutindo o futuro de Temer, as ameaças à Lava Jato, as asneiras e imoralidades do Congresso Nacional, as declarações deste ou daquele político, se o último indicador econômico indica ou não se estamos saindo da crise, a defesa insustentável do governo de Maduro, e assim por diante.

Dessa forma, nos ofuscamos com fatos cotidianos de nossa vida politica e esquecemos que o País não tem futuro sem algumas decisões a serem tomadas hoje, embora seus resultados mais relevantes só venham a surgir  anos ou décadas depois. É o que está acontecendo, por exemplo, no campo da educação, ciência, tecnologia e inovação. Não há dúvida de que o ajuste das contas públicas é urgente e importante. Duvidam apenas aqueles que não conhecem aritmética e julgam que o Estado fabrica dinheiro de graça, e sem consequências. Mas a educação e a C,T&I são igualmente urgentes e relevantes. E estamos fazendo o contrário, restringindo perigosamente recursos e nos contentando com reformas mínimas. O Governo tem que cortar gastos, mas não naquilo que garante nosso futuro.

Toda pessoa minimamente informada sabe que estamos saindo de uma sociedade industrial e ingressando em uma sociedade da informação ou do conhecimento. Contudo, nenhuma decisão para recepcionar este futuro, que está nascendo a olhos visto e na nossa porta, está sendo tomada. Por exemplo, fizemos uma pequena reforma no ensino médio. Necessária, mas muito aquém do que necessitamos.

O caminho mais curto para mudar o ensino médio é mudar o ingresso no ensino superior. As Universidades têm grandes áreas de ensino (engenharias, saúde e ciências da vida, ciências sociais, ciências sociais aplicadas, artes, ciências da terra, etc) e nelas deve estar acoplado o ingresso. Há coisas de que todos devem ter um domínio mínimo: português, inglês e matemática. Além disso, apenas em uma ou outra disciplina em conformidade com a área específica do conhecimento. Assim, o ingresso deve consistir em examinar o domínio naquelas três disciplinas básicas e mais uma ou duas disciplinas, no máximo, e afins à área que o aluno escolheu. Precisa um estudante para sociologia ser submetido a provas de física e química? Necessita um estudante para engenharias ser submetido a provas de sociologia e filosofia?

Com as medidas que estamos tomando estamos destruindo nosso futuro, pois é sabido o quanto nossas escolas são precárias e defasadas, em particular as de ensino médio, submetidas a um enciclopedismo ralo e banal. Sem vinculação com as mudanças na sociedade e desvinculadas do mundo do trabalho.

Poderíamos falar o mesmo quanto às medidas que estamos tomando no campo da sustentabilidade ambiental, destruindo nossos ativos naturais, que serão fontes de riquezas incomensuráveis em futuro próximo, com o aquecimento global e o crescimento da demanda de alimentos. Além dos campos de fármacos e cosméticos que a floresta proporciona, e dos segredos que ainda conserva. Estamos destruindo a galinha dos ovos de ouro.

Como também é urgente e importante falarmos da ascensão dos ultraconservadores e reacionários, por erros dos autodenominados de esquerda. Erros das forças progressistas que se deixaram tomar pela corrupção, pelo populismo e pelo fisiologismo. Falarmos para definir uma estratégia que os contenha. Não adianta se fazer de avestruz. Eles saíram de suas tocas e estão ganhando as ruas, as mídias e as simpatias da população descrente dos políticos e das instituições democráticas. Terreno propício para o fascismo.

Falta-nos uma imagem do futuro que desejamos alcançar em consonância com as mudanças que ocorrem no mundo e nossas particularidades enquanto sociedade democrática que defende a justiça social, a diversidade e o respeito às diferenças. Nisso deveríamos estar debruçados, os intelectuais e políticos; os líderes de movimentos populares e religiosos; os jornalistas e professores. Todos os cidadãos que têm interesse no futuro de seu país. Só assim podemos nos libertar da prisão da conjuntura e preparar um futuro que assegure a democracia e a justiça social.

[1] Sociólogo, professor no Programa de Pós-Graduação do Centro de Desenvolvimento Sustentável, UnB.