Maurício Costa Romão

A manchete da seção política do jornal Folha de S.Paulo do dia 30 de outubro próximo passado alardeava: “Nova lei deverá tornar mais difícil renovação da Câmara”. E desfilava opiniões de cientistas políticos segundo as quais os principais itens da reforma política aprovada em 2017 (criação do fundo eleitoral, cláusula de desempenho partidário e fim das coligações em 2020) “devem beneficiar os grandes partidos e os políticos com mandatos”.

Sobre o fundo eleitoral a explicação dos cientistas é o de que não havendo recurso privado o fundo será a maior fonte de financiamento das campanhas e as direções partidárias vão procurar distribuí-lo entre os candidatos mais visíveis, que já são parlamentares, impedindo maior renovação do Legislativo.

Esse argumento, de que sem recurso privado o índice de renovação tende a diminuir, carece de respaldo empírico para comprovação.

Considerando as últimas cinco legislaturas da Câmara dos Deputados (de 1998 a 2014) a taxa média de renovação de mandatos tem sido da ordem 45%. Isso quer dizer que dos parlamentares que tinham mandatos, 55%, em média, foram reeleitos em cada período legislativo.

Os partidos já recebiam doações privadas empresarias desde 1993 e, portanto, pelo raciocínio dos cientistas políticos, acima exposto, deveria ter havido maior renovação na Câmara. Isso, no entanto, não ocorreu tão nitidamente.

Na verdade, a distribuição de recursos pelos partidos aos candidatos praticamente não alterou a taxa de renovação de 1998 para 2014 (43%, 46%, 47%, 44%, 47%, respectivamente, um desvio máximo de quatro pontos de percentagem entre o menor e o maior número).

Se, ainda, à guisa de reforço argumentativo, se incluir o ano legislativo de 1994, que apresentou 54% de renovação parlamentar, e no qual as doações empresariais já eram permitidas, a linha de tendência da taxa de renovação de 1994 para 2014 passa a ser ligeiramente declinante. O contrário do que argumentam os cientistas políticos.

Em relação a cláusula de desempenho partidário e ao fim das coligações, a rationale dos cientistas políticos é a de que partidos com poucos votos ficarão fora da Câmara e não terão acesso aos recursos do fundo eleitoral. Assim, os grandes partidos sairiam beneficiados e tenderiam a privilegiar a reeleição dos atuais detentores de mandato.

De fato, o fim das coligações, a medida de maior impacto saneador no sistema proporcional desde o seu primórdio (1945), vai realmente deixar muitos partidos fora da Câmara e aumentar a representação das grandes siglas. Só para se ter uma ideia, se, por exemplo, a medida já vigorasse em 2014 as três maiores agremiações, PT, PMDB e PSDB teriam pulado de 188 deputados eleitos para 274, um acréscimo de 86 parlamentares.

Se isso vai aumentar ou diminuir a renovação parlamentar na Câmara é uma questão em aberto, uma incógnita. Por exemplo, as taxas de reeleição desses três maiores partidos em 2014 foram: PT (53,4%), PMDB (52,1%) e PSDB (63,6%), uma média de 56%, quase idêntica a de todos os partidos nas últimas cinco legislaturas, que foi de 55%.

As grandes agremiações, em geral, têm gestões mais abertas, são mais democráticas, menos oligárquicas, com menos influência do caciquismo. A pergunta é: com mais deputados, quando as coligações acabarem em 2020, os índices de reeleição aumentarão por conta de maior apoio dessas agremiações aos atuais detentores de mandato? Não há base factual para responder a esta questão.

Do mesmo modo, não há evidência que suporte a afirmação dos cientistas políticos de que a cláusula de desempenho partidário vai diminuir a renovação de mandatos. As siglas que ficarão sem acesso ao fundo partidário e ao tempo de rádio e TV já hoje quase não têm representação na Câmara. Portanto, não afetarão os índices globais de renovação.

Vendo agora o outro lado, o lado dos eventuais beneficiários da cláusula de desempenho: os partidos mais fortes, que abocanharão mais recursos do fundo eleitoral e ficarão com mais tempo de rádio e TV, por conta da exclusão compulsória dos partidos menores e sem dimensão eleitoral, que razões terão para modificar suas abordagens internas já praticadas hoje e privilegiar ainda mais os parlamentares de mandato?

Então, os efeitos da reforma política de 2017 sobre as taxas de renovação de mandatos parlamentares na Câmara Federal nas próximas legislaturas não estão claras e é muito mais provável até que não tenham impactos de significância nessas taxas.

Da mesma forma, consoante já exposto no n° 268 desta Revista, as previsões de vários analistas políticos de maior renovação de mandatos legislativos para a próxima eleição face ao desencanto do eleitorado com a política e os políticos não estão lastreadas em evidências empíricas consistentes.