Elimar Pinheiro do Nascimento
Sociólogo e professor na Universidade de Brasília, Centro de Desenvolvimento Sustentável.

De saída, um alerta. Não pensem, aqueles que me conhecem, que endoideci e aderi aos conservadores radicais da tropa do Cunha e da bancada do BBB (boi, bala e bíblia) propondo que matemos os infelizes e, por vezes perversos, marginais e criminosos com nossas próprias mãos, ou melhor dizendo, armas. A justiça aqui é outra. É legítima, além de benéfica.

Nos tempos de antigamente, e de forma simples, dir-se-ia um governo de faz de conta. Hoje, de maneira mais estilosa, e moderna, fala-se de um governo de encenação. De fato, Presidente, Ministros, Secretários e mesmo alguns diretores gostam de fazer o papel de atrizes e atores, como tivemos um ano para comprovação. E o pior é que envolvem outros, que não gostam de fazer o faz de conta, como os soldados. Antes que um dos poucos defensores do governo atual, poucos, mas batalhadores, imagine que estou falando por falar, só de pirraça, contra o governo, que virou moda neste País, peço que acompanhem minha reflexão. Afinal, de que trata esta “batalha” contra o mosquito, no sábado, 13, mobilizando o brioso exército nacional, senão de um jogo de cena? Não há qualquer possibilidade de se extinguir ou mesmo reduzir de maneira significativa os riscos do novo inimigo da pátria, o senhor mosquito aedes brasiliensis, perdão, aedes aegypti, em um dia de remoção de entulhos. É puro jogo de cena, como foi recentemente a convocação da reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (vulgo conselhão). Como diz um amigo, “A última vez que o exército saiu contra o mosquito ele se fortaleceu”.

A guerra contra esse personagem nascido da incompetência e irresponsabilidade governamental, somado à sujidade nacional, é longa e árdua. Ganha-se, esta guerra, apenas com trabalho contínuo, persistente. Enquanto não existir uma vacina, a única forma de erradicar o risco das doenças, com todo o sofrimento que elas aportam, é o de extinguir ou reduzir drasticamente as fontes de reprodução do mosquito, poças ou bocados de água parada. Um pouquinho de água em um copo de plástico – que as ruas, praças, praias, construções e quintais deste País estão repletos –  é o bastante para reproduzir o bicho, cujos ovos, aliás, podem durar até ano e meio até se desfazer. Antes disso, qualquer ecossistema favorável pode dar-lhe vida.

Em face de um governo desastroso, restam-nos apenas duas alternativas: suportar as dores e os sofrimentos decorrentes do mosquito ou nós mesmos, cidadãos, extingui-lo com as próprias mãos, como se fazia antigamente no oeste americano, e algumas partes deste país ainda hoje. Com uma diferença: agora, a justiça com as próprias mãos será não apenas legal como benéfica para todos. A salvação está na mobilização da população como um todo, com comitês por bairro, empresas, igrejas, associações, e sair pelas ruas enterrando os entulhos, eliminando os focos de reprodução em casa e na rua, e mobilizando os vizinhos, familiares e amigos.

Esta poderia ser uma praga democrática. O aedes aegypti é um mosquito que morde qualquer um, branco ou negro, rico ou pobres, jovem ou idoso, homem ou mulher. Ele, simplesmente, não discrimina. No entanto, aqueles que se previnem do contágio usando repelentes, telas nas porta e janelas, mosquiteiro, calças e blusas de mangas compridas, ar condicionado e complexo B, entre tantas outras milongas que vamos descobrindo a cada dia, tem menos chances de contrair qualquer uma das pragas e vírus, que o mosquito alegremente, e perversamente, nos tramite. O governo, porém, faz com que o democrata mosquito prefira os pobres pelo simples fato de que nas áreas suburbanas de nossas cidades não existe esgotamento sanitário nem coleta de lixo, ademais do fato de que, naquelas cidades de fornecimento intermitente de água, são as famílias mais pobres obrigadas a armazenar água.

Há ainda o fato de que sabemos pouco sobre estas doenças transmitidas pelo aedes aegypti. Há muitas elucubrações. São eles diretamente ou o larvicida que usamos os responsáveis pela microcefalia? Há uma epidemia de microcefalia ou uma subanotação? Em todo caso, como digo aos meus amigos céticos quanto à mudança climática, em caso de dúvida adote-se a pior hipótese, pois se vier a melhor estaremos em ótima situação.

Contudo, não nos iludamos: a única forma de estarmos fora do perigo será a extinção do bicho. Mesmo porque os vírus começam a se transmitir também, segundo alguns indícios, por relações sexuais, transfusão de sangue e mesmo beijo. E os impactos, não preciso dizer, são os piores, em particular sobre as grávidas e suas crianças.

Restam-nos, portanto, arregaçar as mangas, mobilizarmo-nos e, inspirados em Betinho, levar a frente uma longa e forte campanha de extinção dos focos de reprodução do mosquito. Mas, sem deixar de exigir que este governo faça o de menos, afinal nossos impostos não devem servir apenas para enriquecer alguns: que melhore a coleta do lixo e a remoção de entulho, que distribua de forma gratuita repelentes para grávidas, assim como produtos que matem os mosquitos em seus nascedouros nos locais de moradia da população mais vulnerável, nas beiras dos rios e lagos e nas regiões insalubres e com esgoto a céu aberto, que nenhum governo fez questão de eliminar.

Estamos convocados, portanto, a uma batalha em duas frentes. Será que teremos coragem de colocar as mãos na massa para evitar ou pelo menos reduzir os sofrimentos, particularmente das mães e seus filhos com microcefalia? Ou vamos assistir inertes aos sofrimentos das famílias atingidas?