Fernando da Mota Lima (in memoriam)

A volta, 1998 – Gil Vicente, nanquim sobre papel, 153×171 cm, coleção particular.

Já ouvi vários relatos relativos à visão ou sensação de morrer. Há quem tenha visto uma figuração do céu ou além; há quem tenha ressuscitado convertido a alguma fé e experiências ou visões semelhantes. A minha, de alcance bem menos místico ou extremo, foi de uma serenidade indescritível. Depois de escapar por milagre de uma violenta colisão, provocada por uma amada seduzida pelo extremo da vida e da droga, voltei a mim numa sala de hospital entre máquinas congeladas (era a minha sensação).
De repente, tive uma estranha sensação de morte. Achei que estava morrendo. Só que essa sensação não me causou nenhum medo ou pânico. Pelo contrário, foi a maior experiência de serenidade e paz que senti na minha vida. Daí, salvo do desastre e da morte, mais tarde deduzi que a morte em si nada tem de aterrorizante nem anunciador de qualquer transcendência religiosa. Isso não quer dizer que me libertei do medo da morte. Reflito sobre ela com frequência e isento de medo. A ela devo alguns dos melhores poemas e meditações que escrevi. Nada mais além disso. Epicuro dizia não haver motivo para temê-la, pois quando somos ela ainda não é e quando ela é, já não somos. A formulação metafísica é bela, mas duvido que nos reconcilie com o medo da morte. São raros os que morrem com a serena coragem de Sócrates, Montaigne, Epícuro e os grande estoicos.

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