Clemente Rosas

Vejo muito pouco TV.  Quase que só noticiários, um ou outro programa esportivo, raríssimos filmes. Mas um dia (lá se vão cinco anos!), já deitado, tive a atenção despertada para o programa “The Voice”, em que uma mocinha cantava, acompanhando-se com a sanfona.  (Soube muito depois que era formada em música e tocava também violão, violino e piano).  E fiquei deslumbrado com o charme da sua simplicidade, da sua fala, do seu talento, da cor trigueira e do jeito de nordestina.  Cantava as melhores peças do nosso cancioneiro popular, com a presença dos pais, a quem cumprimentou, com carinhosa intimidade. Desde então, tornei-me acompanhante do programa, e acabei inconformado por haver ela perdido o primeiro lugar para um garotão que cantava canções em inglês.

Apesar de não ter sido a campeã do certame. Lucy Alves ganhou notoriedade, e foi logo atraída pelo palco televisivo, figurando, brilhantemente, em duas novelas da Rede Globo: “Velho Chico” e “Tempo de Amar”.

Mas eis que, dias atrás, fui surpreendido por reportagem de página inteira do jornal Correio da Paraíba (Caderno 2, 05.10.2018) sobre uma nova criatura: Lucy,  apenas Lucy, lançadora de um disco em estilo “pop eletrônico”, com o título de “Santo Forte”.  Ilustrando a página, a foto da nova cantora, fortemente “produzida” na linha “femme fatale”, a exibir, sobre o busto, as mãos com unhas pintadas de azul.  Ao longo do texto, explicações e justificativas pela mudança de diretriz, pelo abraçar de novos ritmos “mais modernos”, em relação promíscua com os tradicionais, nordestinos.  O sonho seria de uma carreira internacional, ao modo de Madonna, Shakira, Beyoncé  “e outras divas”, segundo cronista social paraibano de renome.

A novidade não me agradou.  Então a receita para a notoriedade internacional seria a simbiose dos nossos ritmos com os estrangeiros?  Já dizia o saudoso Ariano Suassuna: se se mistura uma coisa boa com uma ruim, não pode sair uma coisa melhor.  E os ritmos que nos vêm de fora são os “raps”, os “funks”, envolvendo canções de grande pobreza melódica e vocabular, quando não pornográficas, ou fazendo a louvação de drogas e de crimes.  Quando um pouco mais elevadas, exalam uma rebeldia desesperada, inconsequente, sem causa definida ou projeto.  Parece estar havendo uma deterioração do gosto musical do grande público, que despreza o estilo poético das canções do passado pelas invectivas, expressões chulas e deboches dos arremedos de canções de hoje.

E que destino terá a nossa musa paraibana, tão encantadora em sua autenticidade, nesse oceano revolto em que pretende navegar? Como no velho bolero “La Barca”, só lhe posso desejar, da minha praia “vestida de amargura”, que ao cruzar esses mares loucos, “não naufrague em seu viver”.

Mas temo que esse caminho não tenha volta.  Ao arriscar-se por ele, a sertanejinha da sanfona, tão original, tão nossa, desnaturou-se.  Agora é outra pessoa.  Não ouvirei seu novo disco.  Adeus, Lucy Alves.