Fernando Dourado

Marché de Noël de Strasbourg 2018.

22/11/2018

A quinta-feira transcorria muito bem e eu queria aproveitar o último entardecer antes da inauguração do mercado de Natal de Estrasburgo para ver o filme “Amanda”, bastante elogiado pela crítica e ambientado numa Paris pós-atentados. Dediquei um pedaço da tarde aos jornais e à arrumação de casa, pois tendo chegado do Brasil dois dias antes, ainda sequer desfizera minha pequena mala, e a mesa da sala estava entulhada de cartelas de Benicar e Sinvastatina, cascas de tangerina, moedas brasileiras misturadas com euros, uma caixa meio vazia de tâmaras turcas, dois cachecóis do século passado e uma pirâmide de suplementos de jornal. Coloquei tudo em relativa ordem e caminhei feliz até o Centro onde se ultimavam os preparativos para a iluminação do pinheiro da praça Kléber, a acontecer amanhã, sexta-feira. É bem verdade que lá no fundo, tinha eu a sensação de que estava faltando alguma coisa de fundamental ao dia. Sentia-me como esses pobres pais que vão pagar uma conta, encontram um amigo e decidem tomar uma cerveja. Lá pelas tantas, desesperam-se ao lembrar que esqueceram no carro um bebê, que àquela altura podia estar morto de frio ou calor. Se estava com essa sensação, o que faltava a meu dia? De que bebê eu estava falando? Já de posse do ingresso de 7 euros, uma regalia dos 60 anos, lembrei afinal de que não escrevera meu boletim-consulta para o terapeuta informal que me acompanha há anos. Como podia ter negligenciado uma disciplina dessa envergadura? Apesar de contar com umas horas de vantagem com relação ao Brasil, franqueadas pelo fuso, seria temerário ir ao cinema, sair para jantar, tomar uns copinhos de vinho, para só ao chegar em casa, me ocupar em escrever. Ora, nada tem muita graça para mim se o dever não estiver cumprido. Foi assim que aprendi a ser nos últimos dez anos. Fui à bilheteria, troquei o ingresso para a sessão do sábado e voltei para casa onde escrevi sobre minhas velhas angústias e renovadas descobertas. A redação do texto tomou meia hora e poderia tê-lo escrito pelo celular, lá do Centro mesmo, mas a tela pequena me cansa e o corretor de texto idem. Agora são quase 9 da noite e a temperatura de -1 é agradável e estimulante. Vou comer alguma coisa na taverna “Lard et Crème” e depois retomo as leituras domésticas. E assim lá se vai mais uma quinta-feira.

23/11/18

Ontem ao chegar ao restaurante, vi pela primeira vez a sala do fundo apinhada de uma gente loquaz e endomingada. O garçom arqueou as sobrancelhas e me sugeriu tomar um drinque no bar, recomendação prontamente acatada. On est complet, Monsieur Dourado. Patientez, s´ il vous plaît. Tomei uma cerveja natalina que a casa vem oferecendo e não me arrependi. Cor de âmbar, levemente caramelizada mas com retrogosto bem amargo, os primeiro goles me infundiram uma sensação quase euforizante de amor à vida. Como se concebe o dia-a-dia de quem está privado de um néctar desses por questões de saúde? Acho que eu enlouqueceria, se fosse meu caso e por certo iria preferir morrer. Saí de lá ao cabo de uma hora e meia e devorei uma edição inteira do “Le Figaro” enquanto comia uma carne suculenta e bem marmorizada, escoltada pelas invariáveis batatas esturricadas da Alsácia. Já hoje cedo, encharcado de ressentimento pelo que os japoneses fizeram a Carlos Ghosn, consultei João Rego sobre a possibilidade de mandar um artigo a respeito do grande estadista. Se João me desse luz verde, tentaria escrever algo de original, que diferisse das contribuições mais jornalísticas que pautam a praxe dessas ocasiões. Com a anuência de João, meti mãos à obra e fiquei feliz com o resultado. Às cinco da tarde, com o céu escuro, fui para a praça Kléber para ver a iluminação da árvore de Natal colossal, bem como a decoração de todos os distritos à volta – Petite France, Les Halles, Catedral, Praça Gutenberg, Le Carré d´Or e assim por diante. A cerimônia atrasou e comecei a ficar irritado, sem achar posição para os pés que formigavam. Já ia saindo da praça pois nenhuma diferença faria ver aquilo tudo amanhã, quando apontou um séquito na esquina. Duas dúzias de brucutus faziam um cordão de isolamento para o prefeito, a esposa e uns asseclas. O burgomestre é um homem baixinho, de cachecol bordô, sobrancelhas espessas, tinha as mãos enfiadas no bolso e um quepe de feltro. Quando nossos olhares se cruzaram, apontei meu pulso e só disse: On a du retard, Monsieur le Maire. Ici c´est l´Alsace ou l´Afrique? Ele pareceu incrédulo e o segurança me olhou atônito. Que birra será esta que tenho com as autoridades constituídas? Não vou ter a resposta até ser preso. As ruas ficaram lindas e a espera valeu a maçada. A caminho de casa, comi salmão com cebola doce e salada de batata, num estande plantado no meio da praça Gutenberg. Gosto de quermesses natalinas. Isso vem de Garanhuns.

24/11/2018

Acordei neste sábado simplesmente desarvorado com meu universo literário. Acredito muito na relação que estou construindo com minha agente portuguesa, mulher de quem gostei desde a primeira hora e a quem comecei dando uma pepita de ouro, que ela tarda em reconhecer. Ocorre que temos uma defasagem de ritmos e de propósitos. Eu tenho 60 anos, ela ainda não chegou aos 40. Eu acredito na pronta ação, ela vê mérito em certa passividade, como se o mercado editorial estivesse a reboque de injunções cósmicas, e não humanas. De mais, depois de uma semana em que trocamos até 4 mensagens no mesmo dia, eis que ela me botou na geladeira inexplicavelmente. O que acontecera? Acaso eu deixara de corresponder a alguma expectativa? Nenhuma ideia. A única possibilidade pode residir no fato de que ela percebeu que tenho índole autoritária e algo impositiva, e não quis deixar que eu ditasse o ritmo dos trabalhos. Não posso lhe tirar a razão, se este foi o caso, mas desconfio que esta versão ainda seja uma maneira sub-reptícia e edulcorada de me atribuir valor. Pois, no fundo, o mais provável é que ela não me tenha dado grande importância, impressão esta que os fatos desmentirão dentro de mais um ano. Mas acaso posso colocá-la numa cápsula e levá-la para uma viagem no tempo? Não tem como fazê-lo, preciso me resignar ao ritmo dela ou então procurar outros caminhos. Saí para um passeio para desanuviar a cabeça do caso Ghosn. Ao lado do edifício do Parlamento Europeu, fiquei matutando sobre o quanto as instituições são impotentes para dar régua e compasso ao mundo. Os japoneses sequestram um super homem, o aprisionam, destituem-lhe das competências legais, dão um golpe branco, concluem um coup monté, e tudo fica por isso mesmo. É vergonhoso. No caminho de volta, ressuscitei a outra vertente literária que me dá desgosto. Desde que descobri que meu orientador é também um militante político, a relação entre nós não foi mais a mesma e simplesmente parei de escrever o que começara. Como reatar com os bons dias de agosto e setembro, quando o calor das eleições brasileiras ainda não tinha avivado os carvões da discórdia? Não sei. Homem probo, de sorriso afável, com milhares de horas de leitura nas costas, preciso superar a tentação de achá-lo intelectualmente parcial. Se pelo menos ele tivesse sossegado depois da derrota de seu candidato. Mas não foi isso o que aconteceu. Como não perceber que estávamos entre dois sacripantas? Perdi o gás. Menos mal que vi o filme “Amanda” e o adorei.

25/11/2018 

Não gosto de compromissos nas manhãs dos domingos. Mesmo assim, saí cedo de casa para assistir à palestra de Simone Polak, 90 anos, sobrevivente de Auschwitz-Birkenau e de Bergen-Belsen. Gosto das Simones francesas: Beauvoir, Signoret, Weil. Agora tenho mais esta. Na verdade, o que me atraiu foi respirar os ares de um bom ambiente judaico-alsaciano na Wizo. Sabia que o livro era interessante porque o jornal de Estrasburgo o descrevera como seco, enxuto de lágrimas, sincero porém cirúrgico. Lá chegando, dei de cara com Madame Polak já na recepção e me apresentei. Caminhamos juntos até o salão e devo admitir que a passada dela era mais firme e menos claudicante do que a minha. Pois bem, na apresentação que durou uma hora, ela começou explicando o título do livro. “Faça como se eu estivesse sempre a seu lado” – foi esta a última frase que ouviu da mãe na rampa de triagem de Birkenau. Dali nunca mais a veria, nem seu irmão de 11 anos, que sumiu na mesma plataforma. Gostei do que contou dos anos de refúgio no Jura, das técnicas que desenvolveu para não se fazer notar e dos pequenos estratagemas que a distraíam da verdade inelutável dos campos. Ou seja, de que logo ela própria poderia ser combustível para a fumaça da morte que saía das chaminés dos fornos crematórios. Sem drama, sem lágrima, sem apelações emocionais, reafirmou que jamais pensara em escrever a respeito. Mas que foi instada pelo ex-Presidente François Hollande a ir adiante. Comprei o livro. De tudo que li e que dela ouvi, uma coisa me desacorçoou. Foi quando contou que certo dia em Birkenau, aos 16 anos, ela achou numa lixeira uma tampa de creme facial Nívea. Foi só ao ver o logotipo conhecido mundialmente, sobre o fundo azul, que lhe ocorreu o quanto sua vida estava reduzida a nada. O quanto tinham todos ali sido espoliados de seus bens e de seu passado, o quanto lhes era denegado pensar no futuro e o farrapo sub-humano a que estava reduzida. Semi-nua, mal calçada, sedenta e careca, foi uma tampa de creme que desencadeou uma cascata de reflexões. Gostei imensamente dessa passagem. Espero que meu mentor literário um dia reate com a beleza singela dessas verdades profundas e esqueça por um momento Bolsonaro e os assistentes sociais cubanos. É desesperadora a energia que ele gasta com essas bobagens. Se tivesse dinheiro, iria chamá-lo para vir até Estrasburgo e o levaria para fazer uma desintoxicação político-eleitoral nas florestas circunvizinhas. O que ele quer? Que derrubem um cara constitucionalmente eleito, por ruim que seja? Que decepção.

26/11/2018

Hoje meu amigo Hélio Masur faz 60 anos. O que dizer num dia tão especial? Escrevi um artigo para a “Amanhã” sobre ele e terminei fazendo um libelo sobre a amizade. Mas também li logo cedo que morreu em Roma Bernardo Bertolucci, o grande cineasta de “O último Imperador”, um de meus filmes favoritos. Como estou na França, a imprensa local falou mais de “O último tango em Paris”, filme a que assisti em 1973, meses depois do lançamento, e que adorei. À época, era proibido no Brasil. Ainda hoje me emociono com a música e quantas vezes não passei pela ponte Bir-Hakeim, só para evocar as imagens de Marlon Brando, então no papel de um coroa corpulento e solitário, de um viúvo povoado de fantasmas, cujos caminhos se cruzam com uma menina de 19 anos num apartamento vazio. Na época, Brando tinha 48 anos e me parecia o arquétipo do velho desencontrado. Hoje eu já tenho 12 anos a mais do que ele quando da filmagem e, sob muitos aspectos, poderia ser um personagem como o que ele encarnou. Não faltaram hoje na televisão feministas para apedrejar a dupla Brando-Bertolucci pela tal cena de sodomia em que o americano se vale de um naco de manteiga Président para melhor penetrá-la. Nem tanto pelo lubrificante usado e sim porque as brigadistas acusam os dois homens de terem premeditado tudo, sem que Maria estivesse inteirada da sequência. A dor, a surpresa, o estupor, enfim, seriam a matéria-prima de que o italiano precisava para gravar em um take os efeitos imemoriais. Sem comentários. Quanto a “O último Imperador”, as visitas que fiz à Cidade Proibida desde então nunca mais foram as mesmas. Se antes eu cumpria o roteiro pequinês em deferência a um mandamento de protocolo de negócios e passeio, depois do filme passei a adorar chegar ali cedinho, e fazer todo o trajeto pelas esplanadas, sempre pensando no Imperador Pu Yi e seu triste destino. Hoje à noite, ainda tentei trabalhar no meu livro, mas não tinha o mínimo entusiasmo. Então saí para caminhar, aproveitando que a temperatura estava ligeiramente positiva. No centro, fucei livros numa barraquinha, comprei os jornais na banca que fica ao lado da Galeries Lafayette e sentei para ler mais sobre esses “gilets jaunes” (coletes amarelos), que ontem atearam fogo em carros nos Champs-Elysées. Um senhor disse que eles querem o direito à felicidade. Ora, sendo assim, por que não vão para o Brasil, onde ele é garantido na Constituição? Mundo de merda.

27/11/2018

Minha querida amiga Pascale tem mesmo uma rejeição vis-à-vis os franceses da Alsácia, apesar de morar aqui há tanto tempo. Para ela, esses caras de meia-idade ou mesmo velhos, que a gente vê nos mercados públicos e que falam dialeto alsaciano entre si – um alemão meio estropiado que certas horas soa como iídiche -, são a quintessência do conservadorismo, da xenofobia, do provincianismo e de uma forma meio estúpida de ser. Ela os considera arrogantes e, impiedosamente, os acoima de hop la, uma interjeição que traduz seus modos e cultura. Acho isso engraçadíssimo e sempre que posto uma foto do mercado de Neudorf, do fornecedor de salames, do queijeiro, do verdureiro, é inevitável que venha um comentário dela: “Estás te tornando um autêntico hop la, Fernando”. Sendo ela uma mulher muito identificada com o Mediterrâneo Oriental, onde vive hoje, e com a própria América Latina, dá para entender bem tanta reserva. Seja como for, lembrei muito dela hoje no almoço. Acordei mais tarde do que o habitual e tive preguiça de tomar banho. Então, enfiei um paletó e fui caminhar no bairro. Ao passar na brasserie que fica bem em frente ao Monoprix, vi que a sugestão do almoço era um “cordon bleu de veau” a bom preço. O restaurante estava cheio e a dona veio falar aos sussurros, como se estivesse num confessionário, hábito que abomino: “Se o senhor não se incomodar, poderia sentar com aqueles cavalheiros”. E mostrou com o queixo uma mesa próxima à entrada, com dois velhotes a bordo que já vi outras vezes. “Se eles me aceitarem…” Ambos se enquadravam bem na categoria abominada por Pascale. Eram alsacianos de raiz que falavam francês com sotaque carregado e tinham modos dos alemães de meio-século atrás. Pedi o prato do dia, meio litro de Côtes-du-Rhône, pão e mostarda, e encarei-os como se nos conhecêssemos de longa data. Nessas horas a gente vê a diferença entre os mundanos (eu) e os provincianos amatutados (eles). Certo mesmo é que tinham opinião granítica com respeito a tudo o que havia entre o céu e a Terra. Os “coletes amarelos”, Carlos Ghosn, o aquecimento global, os imigrantes, a China, a globalização, a cura do câncer e o escambau. Não, decididamente não sou um hop la. No final do almoço, eles limparam o fundo dos pratos com guardanapos e os empilharam antes de devolver. Francamente.

28/11/2018

Trabalhei em casa durante o dia e só saí no fim da tarde para comer um salmão finlandês na praça Gutenberg. A Finlândia é o país convidado do Mercado de Natal de Estrasburgo este ano. Então naquele canto da praça pontifica um quiosque grande, onde eles marinam salmão na flama. O prato generoso do peixe selvagem custa doze euros e vale um bom jantar porque é servido com “dill”, salada de batata, uma rodela de limão e uma fatia de pão preto. Depois de satisfeito, fui tomar um destilado para espantar o frio. O telefone celular estava quase descarregado por conta da temperatura. Mesmo assim, abri o e-mail e encontrei xingamentos de um eleitor do Capitão que me acusava de tentar ridicularizá-lo em meu artigo de terça-feira no “Jornal do Commercio”, de título Pão com Leite Moça. Nele eu disse, com outras palavras, que um homem que é capaz de comer um troço desse no café do manhã, como confessou Bolsonaro, é também capaz de fazer qualquer coisa de ruim. Isso porque pessoas sem paladar, e que encaram comida como mero combustível, geralmente são os piores e mais aguados entes da Terra. Ia começar a responder o e-mail quando me vi sem bateria. Acho que foi a sorte. Por que ficar batendo boca com esses caras? Já na semana passada, uma leitora tinha me escorraçado como escravocrata por conta do artigo Viva o elevador de serviço, em que deslindei uma tese cujo pano de fundo versa sobre os politicamente corretos, que falam das empregadas domésticas que têm com os pruridos de quem está traficando droga. Agora mais essa. Chegando em casa, liguei o aquecedor porque fazia muito frio. Fui tomar um banho quente e fiquei sentado no sofá, terminando de ler um livro de Mia Couto, que tem lá seus méritos. Então vi na internet que meu professor privado de literatura, o homem que poderia me levar à glória, por efêmera que ela viesse a ser, estava mais uma vez descascando o tal do novo governo, até nos poucos acertos de que seus partidários podem se vangloriar. Sei que ele age de boa fé, mas fico desesperado com o fato de que tanto sectarismo tenha criado essa cisão emocional entre nós e um distanciamento tão nocivo ao processo de criação conjunta. Conjunta porque, no fundo, eu estava escrevendo a bom ritmo para cativá-lo e surpreendê-lo. Mas agora o jogo perdeu a graça. Oxalá o tecido se regenere. Nada foi tão nefasto para mim em todo o processo eleitoral quanto este esgarçamento. Um terapeuta – ou quase isso na minha mitologia interna – não pode se comportar como um mico de auditório e engrossar o coro dos histéricos.

29/11/2018

Hoje recebi uma mensagem simpática deste grande homem que é E.S., meu mais novo amigo do Recife, com quem jantei dia desses. De uma coisa estou convencido. São de primeiríssima linhagem alguns pernambucanos nascidos entre 1948-1953, portanto de cinco a dez anos mais velhos do que eu, e que abraçaram profissões liberais. Cada vez que aceito um convite para uma conversa pessoal, fruto de uma inteiração que começa em rede social ou pelos meus artigos, nunca me arrependo. Especialmente se são pessoas que têm origens no interior. Caruaru, por exemplo, é terra de muita gente boa. Belo Jardim idem, e agora também Timbaúba. São homens probos, dedicados a suas famílias, dotados de uma curiosidade universal, fidalgos sem ser dândis, quase sempre saturados do nhenhenhém político, mas dispostos a servir ao mundo. Quero cultivá-los até o fim da vida, a isto estou determinado porque merecem. Não sei o que fez deles grandes homens, mas pelo que percebo, tiveram boas mães. Um caráter pode até se forjar sem a presença paterna, mas não se pode prescindir da mãe. É claro que a falta de um pai gera transbordamentos, e aqui já basta os meus. Logo pela manhã, a vizinhança de Neudorf estava sumida na bruma. Eu não conseguia enxergar quase nada da varanda e a bruma me deu uma sensação imediata de conforto e saudades. Nada tem tanto a cara de Garanhuns quanto ela. Não sei por quanto tempo disporei desse apartamento, mas pretendo conversar com Pascale sobre os planos que ela tem, agora que já alugou uma casinha na Grécia, onde pretende viver o inverno por certo luminoso da vida. Já eu gosto daqui. Isso aqui não é França nem é Alemanha. É Alsácia e aprendi a gostar dela assim, apesar dos hop la. Logo mais será meia-noite, portanto 20 horas no Recife. Prometi a João Rego que mandaria meu texto antes do fim do dia. Sendo também hoje dia de meu boletim ao terapeuta, não tenho alternativa senão a de remeter para João estas páginas de Diário para que delas ele faça bom uso. Pena que tomei meio litro de Côtes-du-Rhône ainda há pouco, e serei mau revisor de texto. Veremos no que vai dar. De qualquer forma, o traço marcante de meus leitores na “Será?” é a benevolência. Que assim permaneça.

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