Luiz Antonio Barreto de Castro*

Preocupa-me a cada dia que passa o que está acontecendo com a Petrobras, um símbolo nacional, que pode ser comprada hoje por R$ 127 bilhões por quem puder pagar uma dívida de R$ 370 bilhões , o que é muito pouco. E isto ainda não é o fundo do poço. Poderá ser privatizada no próximo ano.

Desde quando eu era jovem adotei alguns princípios e valores que me acompanham e dos quais não me arrependo. Escolhi ser mais do que o ter. À minha mãe, católica fervorosa, lembro que fiz uma definição terrena da santíssima trindade com a qual ela obviamente não concordava. O homem deve ser pai, profissional e cidadão. Tenho sido muito mais profissional e pai do que cidadão. Vou tentar equilibrar a trindade. Está se tornando cada dia mais insuportável virar as costas para o que está acontecendo no Brasil. Agora sabemos que a corrupção se generalizou, e isto, ao que tudo indica, é a ponta do iceberg. A cada dia que passa os números crescem como um tumor.

Paulo Francis, jornalista pedante e brilhante, começou uma acusação contra a Petrobras nos Estados Unidos na segunda metade da década de 1990. Foi processado lá e condenado a pagar uma fiança 100 milhões de dólares. Não tinha essa quantia. Teve um enfarte fulminante e morreu com 67 anos. Matéria sobre isso de Carlos Heitor Cony foi publicada na Folha de São Paulo em Setembro deste ano. O melhor e mais competente jornalista e cidadão brasileiro apontava a corrupção como a medusa de um sem numero de cabeças há quase vinte anos. Talvez ele tivesse a estatura de Ben Bradlee, mentor do Watergate que morreu recentemente com 91 anos e de quem vou falar mais adiante.

No dia 24 de outubro a revista Veja publicou na sua capa o que teria sido um vazamento do depoimento do doleiro Youssef, que, com seu depoimento, visava diminuir sua pena pelo sistema de delação premiada, com o qual não concordo, mas é legal, e agora já é fato consumado. Dizia a matéria da Veja, atribuindo a afirmação ao doleiro, que Dilma e Lula sabiam de toda a corrupção que grassava na Petrobras. Dilma denominou a notícia como terrorismo eleitoral e disse que ia processar a Veja na Justiça. Lula, mais sagaz, nada disse.

Voltando a Ben Bradlee, na década de 1970 o Washington Post desencadeou uma operação conhecida como Watergate e que teve como consequência o impeachment do Presidente Richard Nixon. Eu estava na Califórnia nessa década e assisti pessoalmente Richard Nixon dizer na televisão, com uma fisionomia extremamente consternada: “I resign to the Presidency of the United States of America”. Nos Estados Unidos, um Presidente que renuncia ao seu posto é aposentado ganhando 100 mil dólares por ano e mais vários “fringe benefits”. Richard Nixon viveu com esta pensão ate que faleceu em 1994. No Brasil o ex-presidente Collor de Mello, pressionado pelos “caras pintadas”, imitou o gesto de Nixon, renunciando a presidência da república para não sofrer o equivalente a um “impeachment”. As acusações que vitimaram Collor, bem como as que estiveram no contexto do Watergate, foram indiscutivelmente muito menores do que as que sofrem Dilma e Lula.

No primeiro dia depois da vitória de Dilma Roussef, fiquei esperando da recém eleita Presidenta o cumprimento da afirmação que fez na televisão: processar a revista Veja. Ela não o fez até agora. Este assunto não pode ser varrido para debaixo do tapete. Gostaria que no Brasil tivéssemos um Ben Bradlee, que certamente perseguiria esta acusação até as ultimas consequências. Se esta operação Lava a Jato tiver o mesmo tratamento do Watergate, poderá acabar em impeachment porque as acusações são gravíssimas. A Veja no entanto não é o Washington Post e onde está o Ben Bradlee? Paulo Francis infelizmente morreu prematuramente. E tudo indica que o que ele falou foi pouco.

———————————————————————————————————————————–*Presidente da Sociedade Brasileira de Biotecnologia e Membro Titular da Academia Brasileira de Ciencias