No auge da ditadura militar, a música de Chico Buarque “Acorda amor” manifestava a desconfiança e o medo em relação “à dura, numa muito escura viatura”, refletindo o pesadelo com a repressão policial que dominava o país. Com inteligente ironia, o compositor pedia que chamasse o ladrão, mais seguro e cordial que a dita-dura e a violência indiscriminada e descontrolada dos agentes policiais. Os tempos mudaram, felizmente. Mudaram para muito melhor porque a Policia não persegue mais os opositores políticos e atua sob o controle e a fiscalização das instituições judiciais, da imprensa e da sociedade, e está voltada para o combate ao crime organizado. Os tempos mudaram também para pior, porque não são mais os ladrões, mas criminosos muito organizados com forte poder militar, crescente violência e controle dos territórios mais pobres e marginalizados do Brasil. Mesmo assim, parte da intelectualidade e grupos das comunidades locais ainda preferem chamar o ladrão, num discurso recorrente de demonização da polícia, como se ainda estivéssemos na ditadura. Mesmo denunciando os desvios e a violência da polícia, incluindo a morte de cidadãos no meio dos conflitos com os bandidos, é necessário diferenciar os tempos e as condições. E reconhecer os novos papéis dos agentes do Estado e dos criminosos. Sem ilusões sobre a pureza das instituições policiais (muito longe disso), é necessário entender que estas são formadas por milhares brasileiros que arriscam a vida diariamente numa atividade de alta periculosidade e tensão para contenção do poder dos criminosos. Estão matando mas também morrendo na guerra com o crime organizado. Em 2012 foram registrados no Brasil 50 mil homicídios de todos os tipos, parte deles por assaltantes, traficantes, e milicianos, se matando entre eles e matando cidadãos, e policiais. No mesmo ano, a policia foi responsável pela morte de 1.342 pessoas, maioria dos quais, supõe-se, são criminosos mortos em confronto direto, enquanto 324 policiais foram assassinados, muitas vezes fora de serviço (a fonte dos dados é a Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça). Parte destas vítimas são simples soldados ou cabos, jovens com família, pais, mulher e filhos, como Leonardo do Nascimento Mendes, de 27 anos e o cabo Alexandre da Costa Pereira, de 37 anos, assassinados nesta semana no Rio de Janeiro. Antes de “chamar o ladrão”, portanto, convém pensar nestes jovens, vítimas de uma guerra da sociedade e do Estado brasileiro contra o crime organizado.