Luiz Otavio Cavalcanti

Conciliation' painting series, Bruny Island 2005-2010 Tasmanian Art.

Conciliation’ painting series, Bruny Island 2005-2010 Tasmanian Art.

 

Por que tem sido tão difícil promover reformas sociais e políticas no Brasil ?

A questão remonta a elementos do processo político que vêm do Segundo Reinado (1840/89). Atravessa a República Velha (1930/45) com características escravistas, na sociedade; características oligárquicas, na política; e características estamentais, no Estado.

Alguns desses costumes políticos continuaram sendo praticados na redemocratização (1945/63) e na ditadura (1964/85). Sobrevivendo no século XXI.

O padrão escravista está na indiferença com que a sociedade brasileira viu ex escravos sem educação, sem treinamento e sem participação cidadã.

O padrão oligárquico tem a ver com práticas de clientelismo político que sobrevivem na política nacional. Perpassando Partidos e líderes indistintamente.

O padrão estamental se relaciona com o patrimonialismo que têm origem no Império. Atravessa a República. E se acomoda, inarredável, no leito de costumes costurados ao nepotismo.

Conciliação como acordo

Em História da Conciliação no Brasil (Bagaço, 2009), citei autor que admiro, José Honório Rodrigues:

“Exatamente porque a estrutura não muda, não se reforma, não se adapta, não se ajusta às necessidades do tempo e da situação, a instabilidade está sempre presente” (Rodrigues, Conciliação, 1965).

Fernando Henrique Cardoso construiu a estabilidade econômica com o plano Real. Lula acentuou a política social compensatória. E, quando todos esperavam pela reforma do Estado, Dilma produziu o caos.

Na verdade, PSDB, PT e PMDB diferem pouco entre si. Tucanos são mais conservadores. Petistas são mais clientelistas. E peemedebistas são mais patrimonialistas. A grande diferença está na corrupção. No PT, ela foi institucionalizada, tonando-se método de governo.

O fato é que as mudanças no país, desde sempre, são pontuais e rasas. Não modelam reformas que o país precisa. Chegamos a 2016 no ponto de ruptura.

Conciliação é vocação brasileira. Antes de constituir regra de ação política, é traço cultural. Vem de encontro étnico entre brancos, índios e negros. Produzindo a mestiçagem. Penetrando suavemente organizações públicas e empresas privadas.

Conciliação como cooptação

Para José Honório Rodrigues, a conciliação partidária visa romper estruturas de poder para ingresso de grupos dissidentes. No Império e na República Velha, o comando da política esteve principalmente com mineiros e paulistas.

Em 1853, depois do ciclo das revoluções que abalaram Pernambuco, Rio Grande do Sul, Bahia e Maranhão, instala-se a política da conciliação com o marquês do Paraná.

Nas ditaduras, o poder foi exercido por gaúchos: Vargas, Medici e Geisel. A conciliação veio com o Parlamentarismo, em 1961. Para empossar Jango. Então, 1853 e 1961 se tocam na esfera do tempo conciliador.

Acrescente-se uma terceira referência: 1985. A distensão segura, lenta e gradual para devolver o poder aos civis é outro nome para a conciliação.

Movem-se datas, compõem-se interesses, alternam-se grupos no poder. E as mudanças que extinguiria privilégios? Ou prevalece espécie de pax brasiliensis na qual dominam autoritários e corporativistas de todas as origens ?

Conciliação como estratégia

Para Michel Debrun, que escreveu A Conciliação e Outras Estratégias, a conciliação representa desequilíbrio de forças. Configura uma dessimetria entre correntes políticas. Regulando a relação entre dominantes e dominados.

Para ele, os pactos conciliadores de 1853, de 1889, de 1932, de 1961, confirmam essa regra. Debrun os vê viabilizando a presença de elementos intermediários, situados na base da pirâmide, alternando lealdade com o grupo dominante no topo. Na velha troca de favores pessoais e políticos.

Para ele, conciliação nunca foi arranjo entre iguais. Mas tem sido reconhecimento, por parte de polo político, da primazia de outro polo. Em troca de benefícios do poder.

Conta-se que, em 1977, o então presidente Ernesto Geisel teria dito:

– Ah, se todos fossem como o Tancredo.

A frase talvez refletisse aspiração de setores oficiais tentando esculpir estátua política de cor liberal, que teria vida própria. Mas que não enfrentasse seu criador.

E, em 2016, haverá conciliação? Sim, sob a forma de pacto judicializado. Firmado pelo Supremo Tribunal Federal – STF.

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