Editorial

O presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe, deposto agora pelos militares, tem uma estranha trajetória política, embora não tão incomum. Líder guerrilheiro na luta anticolonialista na antiga Rodésia, foi eleito presidente do governo plurirracial que acabou com quase um século de domínio da minoria branca (apenas 5% da população). Bem antes de Nelson Mandela conduzir, com maestria e tolerância, a transição para o governo de maioria da África do Sul, Mugabe assumiu o poder no atual Zimbabwe, em 1980, buscando a convivência democrática com a minoria branca, mesmo tendo que suportar a arrogância do ex-primeiro ministro Ian Smith que, no governo racista, reprimiu duramente a guerrilha nacionalista e o manteve preso por longos onze anos. A boa convivência com os brancos não se estendia, contudo, aos líderes negros rivais. Logo nos primeiros anos, o governo de Mugabe reprimiu violentamente os opositores negros, incluindo o massacre étnico dos Nedebele em Matabeleland, com 20 mil vítimas, não por acaso, o grupo étnico do seu adversário na guerrilha nacionalista, Joshua N’komo. Com o tempo, o estadista dos primeiros anos transformou-se num tirano que levou o país a um clima de terror e a uma gravíssima crise econômica e social. Robert Mugabe passou a hostilizar a comunidade branca, executou uma reforma agrária racialmente seletiva, mesmo tendo sido rejeitada num referendo, desapropriando as propriedades rurais dos cidadãos brancos. É verdade que a lei agrária de 1930 destinou cerca de metade das terras da Rodésia para cidadãos brancos, dividindo o restante em territórios tribais, áreas nacionais, e com a venda aos cidadãos negros. Entretanto, independente da eventual justiça desta revisão do passado, a reforma de Mugabe provocou uma profunda desorganização da economia do país, que dependia das exportações agrícolas. Em 2013, Mugabe radicalizou sua posição racista com a expulsão de todos os ingleses do território de Zimbabwe. Ao contrário de Mandela, o estadista de 1980 transformou-se num tirano. Diferentemente do líder sul-africano, que preparou sua sucessão depois de um único mandato, Mugabe pretendia perpetuar-se no poder, pessoalmente, enquanto pudesse, ou através da sua jovem esposa. Ganância demais: provocou agora a reação de outros grandes tiranos ávidos pelo poder no Zimbabwe.