Ricardo C. Furtado*

Há no Brasil uma cultura do não aprimoramento. Prefere-se criar um novo modelo, projeto, ou seja lá o que for, a tentar melhorar algo existente. Admitir que mudar é preciso é como reconhecer que tudo foi feito de forma errada. No campo de políticas governamentais, sugerir uma mudança é quase uma blasfêmia. Deixando de lado essa cultura de país subdesenvolvido, este artigo, reconhecendo os méritos do atual modelo do setor elétrico, implantado no primeiro governo do presidente Lula, levanta alguns aspectos que refletem a necessidade de aprimoramento do modelo brasileiro.

Existem dois aspectos no planejamento do setor elétrico que precisam, urgentemente, de mudanças. O primeiro diz respeito à centralização. Uma vantagem histórica do planejamento do setor era a participação das empresas regionais, por exemplo, a Chesf na região Nordeste, nas discussões e na elaboração dos estudos de planejamento de curto, médio e longo prazo. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), criada para elaborar o planejamento do setor energético, centraliza, no Rio de Janeiro, todo o processo de planejamento, sem a participação dos profissionais das demais regiões do país na elaboração desses estudos. Além do evidente prejuízo técnico desses estudos, há uma perda muito maior: a capacitação técnica de profissionais das regiões Sul, Centro-oeste, Norte e Nordeste do país.

Outro aspecto negativo é a dissociação entre o planejamento e os leilões de energia. Não existe, até o momento, uma associação clara entre o planejamento de energia elétrica e os leilões. A maior parte da geração térmica selecionada nos leilões não foi planejada e sua localização tampouco foi a mais indicada. Térmicas foram instaladas em regiões com pequeno risco de déficit, perdendo-se com isso sua maior vantagem, seu pequeno custo de transmissão.  Centrais eólicas entram nos leilões sem sistemas de transmissão. O que tem resultado em geração disponível, sem o necessário sistema de transmissão para transportar essa energia para os centros consumidores. Já existem diversos mapas de ventos no Brasil, além da própria instalação dos parques eólicos, que permitem a implantação de um sistema de transmissão. Em Portugal, o sistema de transmissão foi previamente implantado para receber a energia eólica.

Um aspecto positivo do atual modelo é a regra nos leilões do menor preço pela energia gerada e a menor receita anual nas licitações de transmissão. O tempo, contudo, tem mostrado que, infelizmente, por uma série de fatores, a modicidade tarifária, um dos pilares do modelo do setor elétrico, não foi atingida. A MP 579/2012, transformada na lei 12.783/2013, tentou, mas exagerou no valor da Receita Anual de Geração, enfraquecendo as empresas estatais federais, que foram obrigadas a continuar com suas concessões, e excluindo as grandes geradoras estaduais. Os valores estabelecidos para essas usinas foram subestimados e, além disso, não contabilizaram os custos dos requisitos socioambientais, reduzindo, portanto, a sustentabilidade do setor elétrico. A declaração do novo ministro de Minas e Energia, em entrevista, de que o aumento da conta de energia elétrica em 2015 ficaria abaixo de 40% é um atestado de descompromisso com a modicidade tarifária.

A operação do sistema vem sofrendo, cada vez mais, com saídas intempestivas de linhas e subestações. Os raios têm sido os grandes vilões desses eventos. À sociedade, algumas questões precisam ser melhor esclarecidas. Como têm sido projetados os para-raios das linhas e subestações? A manutenção tem sido feita regularmente? Quais os investimentos em manutenção das empresas estatais e privadas nas linhas e subestações? Algumas empresas privadas veem seus investimentos em transmissão de energia elétrica apenas como um negócio. Vendem seus ativos quando os investimentos precisam ser feitos e, em consequência, os lucros começariam a cair. Existem vários exemplos no Brasil de empresas estrangeiras que venderam suas participações quando o cinto começou a apertar.

A partição da propriedade do sistema de transmissão criou outro problema: a responsabilidade pela falta de energia. Quando da ocorrência de eventos causadores da falta de energia, o Operador Nacional do Sistema (ONS), embora sendo uma instituição extremamente capacitada, tenta explicar, mas não convence. Será que o modelo de transmissão do setor elétrico brasileiro é adequado? Países como a França e Portugal mantiveram a transmissão e sua operação como uma única empresa.

O caminho para corrigir os desvios do modelo do setor elétrico seria, primeiramente, assumir as distorções existentes. Em segundo lugar, ouvir os vários agentes que têm criticado abertamente essas distorções. Em seguida, implantar as medidas necessárias para aprimorar o modelo existente.

*Ricardo C. Furtado é PhD em políticas energéticas e ambientais e sócio-diretor da Diversa Consultoria em Sustentabilidade.