Helga Hoffmann

O IBGE acaba de divulgar: o PIB no primeiro semestre de 2016 encolheu 4,6% em relação a igual período de 2015, seguindo a queda de 5,2% do segundo semestre de 2015. No setor agropecuário a queda foi de 3,4%, e de 3,5% no setor serviços. Durante o ano de 2015 o PIB caiu 3,8% em relação a 2014, ano este em que a economia já estava praticamente estagnada. No segundo semestre de 2014 o PIB já estava em queda. Eis aí para onde nos estava levando o governo Dilma Rousseff. Para o Professor da Presidente a culpa foi do ajuste fiscal de Joaquim Levy, Ministro da Fazenda que mal se aguentou no cargo de janeiro a dezembro de 2015.

Para quem considera que PIB é abstrato, acrescentemos que a taxa de desemprego, ainda que com a defasagem esperada, foi subindo enquanto afundava a economia, até beirar, atualmente, 12%.

Para o “defensor do anticíclico eterno”¹ tudo isso foi causado porque o gasto público teria caído, ou teria parado de aumentar. Segundo disse o Professor Luiz Gonzaga Belluzzo, a queda do PIB em 2015 ocorreu em virtude da política de austeridade do Ministro Joaquim Levy. E acrescentou: “eu disse que ia dar no que deu”, “avisei que o PIB ia cair 2,5%; errei: caiu 3,8%”.

O Professor originalmente havia sido proposto como testemunha pela defesa da Presidente acusada. Mas foi alegado e aceito o impedimento dessa testemunha e o sábio do Instituto de Economia de UNICAMP passou a ser ouvido como mero “informante”. Imagino que o impedimento da testemunha tenha se dado porque em entrevistas passadas o Professor declarou considerar-se amigo de Dilma Rousseff e que ela foi sua aluna na UNICAMP. Como a aluna aparentemente aprendeu com as aulas do professor, é claro que sua atuação como testemunha seria defender a obra da aluna.

Belluzzo declarou que havia aceitado depor apenas para defender a democracia, pois considerava que o afastamento de Dilma Rousseff era um atentado à democracia. Mas, depois de reagir a algumas perguntas, e de um prolongado relato de quantos golpes e tentativas de golpe havia visto no Brasil em seus 74 anos de vida, frisou que ficaria nas questões econômicas. E aí não houve novidade.

De fato, ele já havia criticado o Ministro da Fazenda Joaquim Levy logo que este assumiu, por causa do ajuste fiscal anunciado. O controle do gasto público era então considerado inevitável pela maior parte dos agentes na economia, se levado em conta que o país já não tinha superavit primário, isto é, já não estava conseguindo sobra de receita para pagar juros da dívida pública. Lembremos que em 2014 o país registrou o seu primeiro déficit primário em vinte anos. (Superavit primário é o excedente de receita sobre despesa reservado ao pagamento dos juros da dívida pública.)

Já no início de 2015 estávamos discutindo a ameaça de downgrade pelas agências de avaliação do risco de crédito. Buscava-se com o ajuste fiscal uma recuperação da confiança dos investidores, nacionais e estrangeiros. Mas para Belluzzo, ao nomear Levy, Dilma “capitulou diante das pressões do mercado”. Naquela época o Professor explicou que “Keynes tinha horror a esse negócio” (sic) e defendeu a manutenção do gasto público atacando “a tolice liberaloide acerca do intervencionismo” (sic)². (2)

Em janeiro de 2015, criticou o ajuste anunciado. Em agosto de 2016 atribuiu a recessão a um ajuste que não aconteceu.

O Ministro Joaquim Levy não conseguiu evitar a concretização da ameaça, o déficit fiscal continuou aumentando. No ano de 2015 verificou-se um déficit primário de 2% do PIB. Traduzindo: além de não sobrar dinheiro para pagar os juros da dívida pública, houve um rombo de 2% do PIB no orçamento público. O gasto público, em 2015, aumentou bem mais que a inflação, em cerca de 15% no ano, comparado a uma inflação de quase 11%. E a despesa continuou aumentando mais que a receita. A dívida pública continuou subindo, e em 16 de dezembro a Fitch baixou a nota do Brasil, retirando o grau de investimento. Antes, em setembro, a agência S&P havia baixado a nota de BBB- para BB+, com perspectiva negativa, retirando o grau de investimento. Em 18 de dezembro Joaquim Levy deixou o Ministério da Fazenda.

Se é que chegou a ter o comando efetivo da política econômica, foi por poucos meses. No início de 2015 foram eliminadas algumas distorções de preços, como a tarifa de eletricidade que havia sido reduzida por decreto, e o preço do petróleo e tarifas de transporte que estavam de fato congeladas. Esses controles de preço haviam sido estabelecidos desde 2012 com o objetivo de conter a inflação. A eliminação do controle dos preços administrados, que respondem por mais ou menos 25% do índice de preços ao consumidor, levou a um repique da inflação no primeiro trimestre de 2015, pois os preços livres também continuavam subindo. O ajuste que não chegou a se iniciar ficou com a culpa do aumento de preços. E logo começaram os sinais de divergência entre a Presidente e seu Ministro da Fazenda.

Onde foi que o Professor Belluzzo conseguiu enxergar uma política de austeridade? O “defensor do anticíclico eterno” continuou a atacar, em agosto de 2016, no Senado, a contenção do gasto público, assim como fizera em janeiro de 2015, com ligeira variação nas alegações. Antes, a contenção que se prometera. Agora, a contenção que não houve.

Para não dizer que não houve novidade alguma, vimos que, ao falar de medidas do governo para enfrentar flutuações cíclicas, o Professor declarou-se contrário aos subsídios. Não explicou de que fases do ciclo se tratava, se de expansão ou de desaceleração, e lançou a esmo apenas o período 2004-2010, dizendo que houve um período em que a economia brasileira se beneficiou do ambiente internacional e outra em que foi prejudicada, mas não especificou as datas, e insistiu, repetindo; “não foi crise só de commodities”. Datas e números nunca foram o forte do Professor. O mais curioso dessa parte do depoimento é que a crítica dele ao governo Dilma foi “à demora em enfrentar a desaceleração do ciclo”. Ora, um dos motivos da nossa crise fiscal é exatamente o oposto, o fato de que o governo continuou estimulando (ou tentando estimular) a economia brasileira quando a economia mundial estava começando a se recuperar, enquanto a dívida pública do Brasil já estava aumentando em ritmo insustentável, transformando o descontrole das contas públicas em crise de confiança.

Até seu depoimento no Senado ainda não haviam aflorado críticas do Professor a subsídios, certamente não aos notórios subsídios que o BNDES concedeu a grandes empresas que tinham acesso ao mercado privado de crédito, e que levaram o BNDES a representar, sozinho, quase 30% do mercado de crédito brasileiro. (Esses subsídios, assim como nos outros bancos públicos, exigiram transferências do Tesouro e contribuíram para o aumento da dívida pública no governo Rousseff.) Mas a rigor não sabemos o que propõe agora sobre subsídios, já que não esclareceu a que tipo de subsídios se referia e, assim em geral, podia estar falando de quaisquer subsídios, até da disputa sobre aqueles que a Política Agrícola Comum da União Europeia dá aos agricultores em alguns países da Europa. Mas aí acrescentou, vitorioso: “é dar milho ao pato”. Foi um momento em que fez cara feliz com mais uma das suas frases de efeito, ao que parece inventada ali na hora, e, olhando para os lados, repetiu: “não é dar milho ao bode, é dar milho ao pato”. Ninguém ao redor reparou, nem os que talvez já tivessem passeado pela Avenida Paulista e passado em frente ao prédio da FIESP, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.

  1. “Defensor do anticíclico eterno” é expressão que vi usada pelo paisagista Lincoln Bueno em um comentário do FB. É um resumo divertido das ideias de quem em nenhuma circunstância aceita redução do gasto público, acha que o gasto público pode sempre subir, independente de receita, e que um aumento do gasto público sempre tem efeito positivo.
  2. Comentamos então os argumentos do Professor Belluzzo aqui na revista “Será?”, no artigo postado em 20 de janeiro de 2015, “Professor da Presidenta Pede Presente”.