Elimar Pinheiro do Nascimento

Não quero falar da prisão de Lula, do ódio dos petistas e do sarcasmo idiota dos seus adversários, do circo dos horrores do STF, dos temores que renasceram com as falas dos militares e, sobretudo, da intolerância e irracionalidade que nos perpassam de forma ferina e vil. Abordarei este tema depois de digerir melhor os acontecimentos atuais e seus possíveis desdobramentos, evitando as análises ufanistas, e ingênuas – o Brasil agora muda! Prefiro fazer conjecturas, conversar com o futuro, e chamar a atenção de meus poucos leitores sobre o risco da inércia em momento dramático como esse que vivemos. Não sei porque, lembram-me os anos 1930, aqueles mesmos que antecederam o nazismo. Inclusive as posições estúpidas que a esquerda comunista assumiu na Europa. Prefiro falar daquilo que irá definir o futuro imediato de nosso país: o processo eleitoral. No momento, a melhor forma de conversar com a conjuntura.

Processo eleitoral é algo longo e trabalhoso, mas está no coração da democracia. Começa mais de um ano antes da data das eleições, e se desdobra em etapas, a serem respeitadas, até o dia das eleições. É um ritual rígido.

A primeira etapa exige que o provável candidato exprima claramente seu desejo, posicione-se como tal. Sua pré-candidatura pode pegar ou não. Cristovam Buarque tentou ser candidato pelo PPS, mas não seguiu uma das regras do ritual, que é a de buscar as bases e suas direções, ganhar votos para o Congresso do partido, que não decide, mas encaminha a decisão. O Congresso do seu partido ocorreu em final de março e indicou apoio ao candidato do PSDB, confirmando a tradição de ser um simples puxadinho dos tucanos, e ser propriedade de um político. E nada mais. O partido desistiu de qualquer expectativa maior e luta apenas para sobreviver. Nem sempre da melhor forma. Já Alckmin conseguiu  impor-se, mesmo com reticências de dirigentes de seu partido. Ganhou mais pela queda dos adversários internos (Serra e Aécio), baleados pelas operações de combate à corrupção, do que por seus méritos. Afinal, existe contra ele um estigma: o único candidato no mundo que teve menos votos no segundo turno do que no primeiro. Um feito. E nada está garantido, pois as investigações em curso ameaçam seu percurso.

Em contrapartida, há outros candidatos que já estão colocados com tranquilidade, como Bolsonaro (PSL) e Ciro (PDT), embora não seja do perfil destes políticos o adjetivo. O deputado militar e o antigo governador do Ceará são tudo, menos tranquilos. Outros ainda estão tentando, como Marina (REDE) e Álvaro Dias (Podemos). O segundo é quase certo, a primeira nem tanto, pois sua candidatura periga desfibrar. Mas Marina é messiânica, acredita que nasceu para dirigir o seu povo. Embora sem recursos, tem carisma e é reconhecidamente íntegra. Uma fortaleza, que já enfrentou de tudo (malária, febre amarela, contaminação por mercúrio) e sobreviveu.  Outros, como Lula, persistem e, embora pouquíssimos acreditem, ainda têm chance de se manter. Nas cortes supremas deste País acontece de tudo, e mais alguma coisa. Embora condenado em segunda instância, a decisão que o levou à prisão pode ser derrubada nas próximas sessões do STF, e assim será solto, como outros nas mesmas condições. Solto, e em campanha, será um fator a mais de instabilidade e tudo poderá acontecer. Bolsonaro agradece.

Há ainda aqueles em quem ninguém de bom senso acredita, como Temer (MDB), que deve estar tremendo e tramando, com a prisão de Lula. Ou que parece mais um balão de ensaio, como Maia (DEM). Ou Meireles, que se desliga do governo na esperança de ser candidato, no naufrágio evidente do Temer. Há ainda candidaturas que soam ridículas, como a de Collor de Mello, isso mesmo, aquele que sofreu o impeachment em 1992. Aliás, não se sabe porque a Dilma também não se candidata. Empresários se apresentam, como Flavio Rocha (PRB), executivo da Riachuelo; Paulo Rabelo de Castro (PSC), ex-presidente do BNDES, ou João Amoêdo (Novo), ex-vicepresidente do Unibanco, além de algumas surpresas, como o filho de João Goulart, João Vicente Goulart (PPL), cujas pré-candidaturas podem ou não vingar, e mesmo surpreender.

Finalmente, os eternos pequeninos, como  José Maria Eymael (PSDC) e Levy Fidelix (PRTB),  que já disputaram várias eleições, o primeiro quatro e o segundo três. O PSOL é outro que tem cadeira cativa. Agora apresenta Guilherme Boulos, líder dos Sem Teto em São Paulo, que se lança apenas para marcar posição e ganhar corpo como nova liderança popular com reconhecimento nacional, que ainda não tem. E o PCdoB, eterno puxadinho do PT, ameaça uma candidatura própria, Manuela, ex-líder estudantil e deputada estadual no RS. Mas, quem sabe, não se torne a vice de Haddad, ex-prefeito de São Paulo, candidato provável do PT, caso Lula não saia. Há mesmo quem fale da jornalista Valéria Monteiro, do PMN.

São quase duas dezenas, perto dos 22 que se candidataram em 1989. Mas nem todos devem vingar, embora novos nomes possam surgir. Com chances reais, o processo nos mostrará apenas três ou quatro.

O dia 7 de abril concluiu a primeira etapa. Fecharam-se as janelas da desincompatibilização para aqueles que ocupam cargos públicos (com exceção daqueles que concorrem ao mesmo cargo, em reeleição, como Presidente e Governadores), ou da mudança de partido, para os parlamentares e adjacências, ou mesmo inscrição em partido para quem não os tinha e pensa em se candidatar. Os jogadores estão todos em seus lugares, mas os técnicos (o tempo, os partidos e suas convenções) ainda não estão definidos. E, por isso, ninguém sabe quem de fato joga ou não. Claro que já há alguns jogadores com lugares garantidos, mas não todos. E mesmo outros podem surgir, como Joaquim Barbosa, pelo PSB.

Começa a segunda etapa: a consagração dos candidatos pelos partidos, que deve ocorrer até julho, em convenções partidárias, e subsequente inscrição no TSE. No momento, o sentimento geral é de que existe uma polarização aguda e ruim para o país, entre o candidato saudosista da Ditadura e o candidato saudosista do populismo, e no meio, um vazio. A polarização pode crescer ou arrefecer, na dependência da posição de Lula, do PT e seus aliados. De qualquer forma, persiste o sentimento de que Bolsonaro estará no segundo turno (Lula foi ao segundo turno em 1989 com menos de 17% dos votos), e que seu adversário, qualquer que seja, ganhará. Mas é um simples sentimento atual, que poderá  desfazer-se, para o bem ou para o mal.

O recado das pesquisas de intenção de voto, por sua vez, não deixa dúvidas: pelo menos um terço dos eleitores declara-se sem candidato, ou sem querer votar. Nenhum nome posto é suficientemente atrativo para romper a indignação e a inércia. Por enquanto, o candidato vitorioso é “ninguém”.

Estes dois sentimentos – ausência de candidatos que empolguem e vitória no caso de Bolsonaro ir ao segundo turno –  estimulam novas candidaturas. Por isso, a etapa que se abre de consagração dos candidatos pode nos reservar surpresas, pois ela marca a consolidação ou o desfazer das pré-candidaturas. Etapa plena de incertezas. Se Lula não conseguir inscrever-se como candidato – cada dia mais provável  – apoia Ciro, ou lança um candidato do PT? Manuela e Boulos serão mesmo candidatos, ou se tornarão vice do candidato petista? Marina, sem tempo na TV (12 segundos) e sem poder participar dos debates (a REDE não tem cinco parlamentares), mantém sua campanha, empolga, ou desiste? Alckmin será alvejado ou não pelas investigações em curso? E em não sendo, cresce, com o apoio de meia dúzia de partidos? Barbosa, inscrito no PSB, será candidato? Será a surpresa aguardada? Temer desiste em junho, em nome de Meirelles? Maia mantém sua candidatura, ou resolve candidatar-se a senador (ou governador) pelo Rio de Janeiro? Um dos empresários conseguirá entusiasmar os eleitores indecisos? Surgirá ainda um novo nome, jovem, brilhante, propositivo, que empolgue a juventude e os indignados? Perguntas que se desfarão ao longo da presente etapa.

E se não houver eleições? Apostei que haveria, com um amigo. Na época, dois meses atrás, estava certíssimo de  que ganharia. Já estava até imaginando o jantar, para tomar o vinho, de “Bourgogne”, exigi. Nos últimos dias, minha certeza desceu, um pouco, do pedestal.

Nada disso sabemos por enquanto. E só depois dessa etapa vem a última, ou penúltima, se ocorrer segundo turno, a da campanha eleitoral propriamente dita, que dura 45 dias, mês e meio. Neste caso, com tudo definido, inclusive tempo de TV, coligações partidárias, posicionamento dos candidatos a governador, estrutura de equipe e recursos financeiros. Quais as jogadas decisivas, nesta última etapa: o tempo de TV, os “fake news”, os recursos financeiros (por baixo do pano), novas propostas políticas, formas novas de propaganda e mobilização da sociedade?

No resultado das eleições estará definido nosso destino, nos próximos anos: aumentará o clima de intolerância, o desrespeito ao meio ambiente, o descaso com a saúde e a segurança dos brasileiros, a ignorância de não ver na educação, ciência e tecnologia o caminho do futuro? Ou teremos um governo de prioridades, de modernização do aparelho estatal, de incentivo a um novo modelo de desenvolvimento, de ousadia na adoção de reformas e de atitudes de desestímulo à intolerância política, racial, religiosa e de gênero?

Caso não ocorra o casamento do novo com o desejo de renovação dos eleitores – as regras eleitorais não favorecem este casamento – os indignados ficarão à margem do processo. Ausentes, contribuirão para a vitória da velha ou velhíssima política. Neste caso, a decadência tenderá a aumentar. Mas, se por acaso firmar-se uma candidatura mais democrática e menos populista, o país poderá conhecer um novo período de paz e prosperidade. Os eleitores dirão. E talvez os indignados, os bem pensantes e os acomodados se arrependerão de não terem saído de seu conforto cotidiano, de suas ideias brilhantes, mas inócuas, e de sua indignação compreensível, mas irresponsável.

Será que estou delirando, e, no fundo, estaremos apenas votando em outubro na natureza da próxima crise?