Sérgio C. Buarque

Depois de alguns minutos de silêncio constrangedor no elevador, sem olhar para o lado, minha vizinha perguntou se eu era católico. Respondi que não e ela insistiu no interrogatório: “Qual é a sua religião”. Não tenho religião, respondi lacônico. A esta altura a vizinha começava a ficar assustada. “Assim, tipo, ateu?”, questionou agora me olhando de frente. Me senti um criminoso diante da vizinha inquisitória, mas confirmei: “É, sou ateu. É muito grave isso?”, perguntei. Ela ficou desconcertada mas terminou a conversa com um meio elogio. “Não, é que o senhor parece tão gentil, educado e generoso que eu ….”. O elevador parou no térreo, gentilmente dei passagem a ela, mas desferi o golpe final: “Sabe, acho que é porque sou ateu”.

Não sei por que disse aquilo, mas agora tenho motivos para acreditar na minha afirmação. Recente pesquisa da Universidade de Chicago concluiu que as crianças criadas em ambientes religiosos são menos propensas a ser generosas que aquelas que não tiveram a mesma formação. E mais, que existiria uma correlação inversa entre o altruísmo e a educação religiosa. O coordenador do estudo, o neurocientista e psicólogo Jean Decety, afirmou que pessoas menos religiosas são “notavelmente mais generosos” e têm uma tendência mais espontânea a ajudar o próximo que aqueles que receberam orientação religiosa em suas famílias. Ou, como disse o pesquisador, as crianças “mais altruístas vêm de famílias ateias e não religiosas”.

Menos surpreendente é o fato das pessoas com formação religiosa terem uma maior tendência à intolerância que os ateus, o que decorre da própria severidade no julgamento e no relacionamento com a diferença. O estudo mostrou que as crianças formadas em ambientes religiosos tendem a ser menos tolerantes e mais rígidas na condenação de comportamentos que considere inadequados, segundo a sua doutrina; o que se acentua pelo seu julgamento rigoroso e dogmático em relação às atitudes e comportamentos dos não religiosos.

O ateu pode ter também valores e princípios éticos, nem sempre diferentes dos religiosos, mas baseados em conceitos universais e laicos que falam igualmente de generosidade, tolerância, compaixão e gentileza. Aqueles ateus que incorporam estes sentimentos e princípios tendem a pratica-los sem qualquer expectativa de retribuição (nem na terra nem num inexistente paraíso) contando apenas com a simples satisfação pessoal pelo seu gesto e pelos seus eventuais resultados na sociedade e nas outras pessoas.