Sérgio C. Buarque

O brasileiro tem uma relação de amor e ódio com a rede Globo de televisão que completa agora 50 anos de sua presença e entrada diária nos lares do Brasil. Esta longa e contraditória história de admiração e rejeição reflete uma mistura de reconhecimento pelos seus méritos e pela qualidade dos seus produtos com uma enorme desconfiança em relação à imparcialidade que deve ter um órgão da comunicação de massa. O amor se manifesta mais claramente nas novelas e seriados, enquanto o ódio fica evidente nos noticiários, sendo o Jornal Nacional talvez o mais detestado dos programas da Rede Globo. No entanto, a sua média de audiência é duas vezes superior aos seus concorrentes que, dificilmente têm a mesma riqueza de informações e seguramente não estão vacinados contra a parcialidade, o que demonstra a aceitação por parcela significativa da população. As novelas e as séries especiais têm um padrão de qualidade cênica e dramatúrgica de nível internacional, reconhecidas e respeitadas em todo o mundo, reunindo os melhores e mais talentosos diretores, atores e atrizes do Brasil. Mesmo assim, estas obras de arte tem uma enorme influência nos costumes, na educação, na formação dos brasileiros, nem sempre positivos, assim como a questionável padronização cultural no território.

O tamanho e a força econômica da Globo são fatores determinantes do seu sucesso e do amor que desperta na população, da mesma forma que geram desconfiança e insegurança sobre o sua influência na formação da opinião pública. Casos obscuros e aéticos do passado da grande emissora desperta desprezo e rejeição à Globo. Mas parece que nada acontece e ninguém existe no Brasil se não for apresentado e citado na rede Globo. Os políticos de todos os matizes, incluindo os seus inimigos mortais, como o PT, têm uma relação paradoxal com a Globo: aspiram desesperadamente por um espaço e uma referência na sua rede ao mesmo tempo em que a desprezam e rejeitam quando se sentem preteridos ou ignorados (pior quando alguma referência não os  agrada). Para os governantes, expostos e, ao mesmo tempo, excessivamente sensíveis a críticas, a imprensa incomoda, especialmente quando se trata de uma emissora com tanta influência na formação da opinião pública. Por isso, os simpatizantes dos governos (especialmente do PT) consideram a Globo o principal expoente do chamado “PIG-Partido da Imprensa Golpista”.

Como todo órgão imprensa, a Rede Globo tem uma linha editorial e política que se expressa nos seus editoriais como a sua opinião. Mas os seus dirigentes e editores sabem que, quando se trata de veiculação de notícias e informações, a imparcialidade (ou a tentativa de) é fundamental para a sua credibilidade junto à opinião pública; e para evitar processos de calúnias e danos morais de parte dos citados indevidamente nos meios de comunicação. Aos jornais e revistas de partido bastam o reconhecimento e a simpatia dos seus militantes. Mas para um órgão de imprensa não partidário que veicula informação (reportagens e notícias) é fundamental o reconhecimento e respeito da sociedade para sua sobrevivência que passa pelos índices de audiência. Nenhuma informação pode ser veiculada sem levantar e divulgar o contraditório para permitir as diversas visões e versões dos eventos e fatos.

Além disso, é necessário distinguir a linha editorial de um meio de comunicação, como a rede Globo, do seu corpo de profissionais, jornalistas que, na sua esmagadora maioria, têm compromisso com a qualidade e imparcialidade da informação. A grande emissora de televisão tem, reconhecidamente, alguns dos melhores jornalistas e repórteres do Brasil, profissionais competentes que forma o sistema televisivo da empresa. Em última instância, o que é veiculado por um órgão de imprensa, excetuando o seu editorial, não é o seu dono ou mesmo editor define, é produto também e em grande medida de uma rede complexa de reportagem, análise e produção dos seus jornalistas, cada um deles também com uma visão de mundo nem sempre coincidente com a do proprietário.

Não é raro que o ódio à Globo seja projetado também sobre alguns destes respeitáveis jornalistas. Durante as manifestações do movimento “Passe Livre”, em 2013, o repórter Caco Barcellos foi hostilizado, chamado de manipulador e agredido por um grupo de quase uma centena de manifestantes, tentando impedir a liberdade de realização do seu trabalho. “Só fui impedido de trabalhar pela ditadura e sob tortura”, protestou Caco Barcellos, jornalista com um respeitável histórico de reportagens e matérias em defesa dos direitos humanos e de denuncia da violência policial, sistematicamente publicadas em programa e noticiários da Globo.

No fundamental, a Globo não é exatamente a manipuladora-mor da imprensa brasileira, como pensam os que a odeiam, nem tampouco o perfeito e equilibrado meio de comunicação de massa. A Globo é uma empresa de comunicação – grande, complexa e poderosa – com indiscutível qualidade e capacidade artística e jornalística mas também com as imperfeições e defeitos de uma organização que lida com informação e conhecimento.