Luciano Oliveira

Jornaleiro.

? tempo de concluir essas reflex?es lefortianas sobre a democracia dizendo alguma coisa sobre a ?tenta??o totalit?ria? que a ronda permanentemente. O perigo ? compreens?vel e faz parte mesmo da sua din?mica ? pois ela, a democracia, n?o ? capaz de cumprir aquilo que o totalitarismo promete: edificar a ?boa sociedade? expurgando-a dos seus conflitos. Ali?s, apesar de achar que a ?ltima frase saiu boa, vou refaz?-la, porque a verdade ? que a democracia (pela voz dos pol?ticos em per?odos eleitorais, por exemplo) tamb?m promete uma ?boa sociedade?, mas n?o cumpre, claro; j? o totalitarismo, al?m de prometer, ?cumpre?!

Se a palavra vem grifada em negrito e entre aspas ? para ressaltar, de um lado, o peso da placa de chumbo que se abate sobre uma sociedade subjugada pelo totalitarismo; de outro, a fanfarronada mentirosa que caracteriza a empresa. Conhecem-se sobejamente os horrores dos campos nazistas e sovi?ticos para que insistamos nisso. Para mim, a melhor imagem, enquanto met?fora, de uma sociedade totalit?ria s?o aqueles milhares de jovens chineses vestidinhos todos do mesmo jeito e brandindo com a m?o direita o ?livrinho vermelho? do camarada Mao ? que acena para eles numa tribuna na Pra?a da Paz Celestial durante a ?revolu??o cultural? chinesa. A imagem ilustra ? perfei??o aquilo que Lefort, inspirado no Discurso da Servid?o Volunt?ria?de Etienne La Bo?tie, chama de ?Povo-Um? ? a saber: a ?identidade substancial de um Estado liberado da divis?o?. Loucura! O termo ainda ? dele. Como tamb?m ? dele o seguinte invent?rio das ?condi??es de forma??o? do totalitarismo: ?quando a inseguran?a dos indiv?duos recrudesce, em consequ?ncia de uma crise econ?mica, quando o conflito entre as classes e os grupos se exaspera e deixa de encontrar uma resolu??o simb?lica na esfera pol?tica, quando o poder parece degradar-se ao n?vel do real, vindo a aparecer como algo de particular servindo a interesses e apetites de torpe ambi??o?, ? a? que se desenvolve o ?fantasma do povo-um?.

O Brasil, a duas semanas de elei??es gerais que escolher?o o pr?ximo presidente da rep?blica, como que se reconhece nessas ?condi??es?: mais de 14 milh?es de desempregados e mais de 60 mil homic?dios por ano; exaspera??o dos conflitos de classe transformados em ?dio de classes; e um estamento pol?tico degradado a um ponto que n?o acreditar?amos poss?vel quando, em 1988, o Doutor Ulysses proclamou a nossa Constitui??o Cidad?. Tudo isso ? verdade e assusta. Mas, vamos e venhamos, a sociedade brasileira na qual vivo e na qual escrevo neste ano da gra?a de 2018, apesar de apresentar muitas fissuras no seu tecido, tem at? agora conseguido evitar o rompimento. Alguns exemplos: o ?dio pol?tico, t?o presente e t?o intenso nas tais ?redes sociais? (p?ntano, como sabe meu leitor, onde n?o ponho os p?s), n?o tem se transformado em batalhas de rua com mortos e feridos, como aconteceu na Alemanha no in?cio dos anos 30; a pr?pria lama de clientelismo e corrup??o em que os pol?ticos brasileiros sempre nadaram com desenvoltura, se s? agora veio ? tona, foi gra?as ao funcionamento de institui??es essenciais ao funcionamento de uma democracia moderna como o minist?rio p?blico e o judici?rio ? institui??es que, vamos e venhamos de novo, nunca t?nhamos levado a s?rio…

Enfim! O que quero dizer ? que, se h? motivos para ter medo, h? tamb?m motivos para ter esperan?a. Pessoalmente, estou investindo nisso. ?Mais aspiro do que espero? ? ? uma frase da Utopia?de Thomas Morus, se n?o me engano. Mas como n?o acredito em utopias, tenho minhas raz?es para esperar.

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A princ?pio n?o acho muito legal valer-me de um espa?o colocado ? minha disposi??o pela editoria de uma revista para emitir meu voto. Mas n?o resisto ao que considero um dever de cada democrata neste momento. Meu voto, este ano, ser? um ?voto ?til? j? no primeiro turno das elei??es. Votarei contra Jair Messias (Uau! ? o nome ? todo um programa) Bolsonaro. N?o desejo que ele v? para o segundo turno. Mas, ao que tudo indica, ir?. Nesse caso, o meu desejo ? o de que, por aqui, se repita o que aconteceu por duas vezes na Fran?a em elei??es presidenciais com segundo turno: frente ao perigo de se eleger um candidato de extrema-direita (Jean-Marie Le Pen em 2002, Marine Le Pen em 2017), o eleitorado do pa?s de Voltaire preferiu, nos dois momentos, conduzir ao poder algu?m que constitu?sse um dique ao perigo do abismo: Jacques Chirac no primeiro, Emmanuel Macron no segundo. Conhe?o quem, pessoalmente, n?o gostava de nenhum dos dois. Mas, pensando no que realmente corria risco, a democracia, votou em ambos. O meu voto seguir? a mesma l?gica.