Luciano Oliveira

Jornaleiro.

Como muita gente, nesta antev?spera do primeiro turno das elei??es, estou com medo. Disseram-me que na carreata pr?-Bolsonaro no domingo ?ltimo, em Boa Viagem, manifestantes faziam o gesto em ?L?, com o polegar e o indicador em riste, simbolizando o velho Colt dos faroestes americanos que encantavam a meninada da minha gera??o.

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Mas aquele era o tempo da brincadeira. Era o ?tempo da delicadeza?. Era o tempo de Tom Jobim no asfalto, e de Cartola no morro. Agora temos m?sica sertaneja de um lado; e, do outro, o funk pancad?o. Acho que esse pessoal dos dedos em Colt deveriam eleger como trilha sonora a ?musga? de Joj? Todynho: ?Que tiro foi esse? / Que t? um arraso! / Que tiro foi esse? / Viado!?

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Como diria L?vi-Strauss, ando com saudades do neol?tico.

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A semana passada eu apostava no ?modelo franc?s? para essas elei??es: contra a direita barra-pesada, voto maci?o no segundo turno a favor da democracia. No momento em que escrevo, estou aventando a possibilidade do ?modelo americano?: ganha o nosso Trump, mas as institui??es democr?ticas aguentar?o o tranco. Mas, como estou com medo, de repente fui ro?ado pelo pesadelo do ?modelo filipino?: quem ganha ? o nosso Duterte!

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A verdade ? que, definitivamente, n?o sou um animal pol?tico. Dou um exemplo. Se eu, como presidente da rep?blica, tivesse sancionado, sem nenhum reparo, uma lei de origem popular aprovada (creio que) pela unanimidade do Congresso Nacional estabelecendo que um condenado por ?rg?o colegiado n?o poderia concorrer a um cargo eletivo, n?o teria a coragem moral de tentar me candidatar sequer a uma verean?a, mesmo que tivesse sido condenado em primeira inst?ncia por um sujeito chamado S?rgio Moro ? que, num surto de Macaco Sim?o, chamo de S?rgio N?o-Morro de Amores.

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O romancista ingl?s Graham Greene, num livro chamado Nosso Homem em Havana, criou a emblem?tica figura do Capit?o Segura, policial encarregado da Seguran?a Nacional do seu pa?s. Dotado de uma voca??o para a filosofia da hist?ria, o capit?o havia constru?do um esquema dicot?mico atrav?s do qual refletia sobre o mundo. Para ele, a humanidade est? dividida em duas grandes classes: a dos ?tortur?veis?, e dos ?n?o-tortur?veis?. Numa passagem do romance, ele explica sua filosofia a um cidad?o ingl?s que vai at? ele interceder por um seu compatriota suspeito de cumplicidade com a subvers?o. O Capit?o Segura tranquiliza-o, dizendo que o suspeito em quest?o n?o pertence ? categoria dos que podem ser espancados pela pol?cia. ? ?E quais s?o os que pertencem?? ? pergunta o s?dito de Sua Majestade brit?nica. A resposta do oficial cubano ? de uma franqueza desconcertante: ?Os pobres de meu pr?prio pa?s… e de qualquer pa?s latino-americano. Claro que, nos pa?ses dos senhores, onde reina o bem-estar, os senhores n?o t?m pobres… de modo que s?o intortur?veis?. Well…

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Eu e os leitores da Ser???pertencemos (pois ainda ?ha ju?zes em Berlim?, como diz uma velha express?o germ?nica) ? categoria dos ?n?o-tortur?veis?. De que ent?o te queixas, Luciano?

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Ok! Ok! Ok! Vou acender uma vela e rezar pelo ?modelo franc?s?.