Clemente Rosas

Infante pronto para o combate.

                                  Soldado é aquilo que fica por baixo da bota do sargento – João Antônio                                                     

No meu tempo de jovem, para os filhos do patriciado e da classe média paraibana, as alternativas de fuga à conscrição militar eram fazer o CPOR (Curso Preparatório de Oficiais da Reserva), no Recife, ou recorrer a alguém de prestígio para ser dispensado, por alguma hipotética incapacidade física, ou por “excesso de contingente”.  Na prática, a famosa “peixada”.

O CPOR iria me tomar os fins de semana e as férias por dois anos, além de implicar o deslocamento para o Recife.  E o recurso à “peixada” não era coisa do estilo do meu pai. Resolvi encarar o recrutamento e viver a experiência.  Eu estava no segundo ano do curso de Direito, seria o único praça com nível universitário no quartel.  E ingressei, em 1959, no 15º Regimento de Infantaria (15 RI), o mesmo 22º Batalhão de Caçadores (22 BC), que foi tomado, em 1930, pelo tenente Agildo Barata, a frente de um grupo de civis revolucionários.  A sua arquitetura, aliás, permanecia a mesma.

O primeiro mês de serviço militar era de completo internamento no quartel.  Depois, permitia-se comer e dormir em casa – para quem pudesse – salvo nos dias em que o recruta estivesse “de serviço”: um plantão de 24 horas, para vigilância e outras tarefas.  E nos primeiros dias, após um constrangedor exame médico – todos nus, enfileirados – para verificar, no máximo, doenças graves de pele, ou venéreas, predominavam os “exercícios de maneabilidade”: correr, deitar, sentar, tirar e pôr os bonés, e outras movimentações sem nenhuma lógica, sob um sol escaldante.

O desjejum consistia em um pão dormido, aberto em duas bandas, tendo no meio uma bolota de manteiga que não se tinha como espalhar, uma caneca de café e outra de um angu quente.  No primeiro dia, o caldeirão de angu, com as bordas lambuzadas, me repugnou. Rejeitei a caneca.  E nos tais exercícios, que se seguiram, em dado momento, senti a vista escurecer.  Só então compreendi que a principal fonte de energia do “breakfast” estava mesmo no composto de leite e milho.  A partir daí, superei a prevenção e avancei com gosto naquele mingau de tão desencorajador aspecto.

No almoço, além do tradicional feijão, com arroz, farinha e carne dura e mal-cozida (foi lá que adquiri uma “tenia saginata”, de que só me fui livrar, com sacrifício, no ano seguinte), o que constrangia mesmo eram as bandejas de metal, amassadas, escuras, graxentas.  Só no dia em que fui escalado para a “faxina do rancho” é que compreendi como ficavam assim: recebiam apenas uma varredura de resíduos com uma vassourinha pequena, dessas de limpar sanitários, dois ou três mergulhos num tanque de água, e depois passavam à autoclave.

Exercícios

Os exercícios eram pesados, mas disso nunca me queixei: sempre pratiquei esportes, e minha condição física era satisfatória. Logo fui escolhido para “guia da ginástica”, “puxador” de marchas e jogador de defesa na “bola militar”.

Este era uma espécie de rúgbi rústico, com uma bola ovalada, para chutar ou conduzir com as mãos, e quase nenhuma regra.  Podia-se agarrar o adversário, derrubá-lo, fazer qualquer coisa para arrebatar-lhe a bola.  Mas não jogávamos protegidos por capacetes, ombreiras, joelheiras, como os jogadores americanos.  Muito ao contrário, só tínhamos velhos calções sem sungas, que nos deixavam expostos, mesmo nas partes mais íntimas.  E foi por isso que eu, que sempre levava vantagem quando era agarrado por dois ou três oponentes, e era louvado por tal façanha, certa vez deixei que me tomassem a bola: alguém, num monte de vários adversários sobre mim, empalmou algo pingente do meu corpo, e optei por proteger as minhas próprias bolinhas.