Sérgio C. Buarque

foto da Série Genesis de Sebastião Salgado.

foto da Série Genesis de Sebastião Salgado.

A pobreza e as desigualdades sociais no Brasil vêm caindo continuamente há duas décadas. E o desemprego desceu a níveis baixos nos últimos dez aos, mesmo com uma economia crescendo a patamares medíocres. De 1991 a 2010, o PIB do Brasil cresceu em torno de 3,2% ao ano, quase sempre abaixo da média mundial e de todos os países emergentes e, no entanto, o desemprego flutua em torno de 6% da PEA-População Economicamente Ativa. Esta melhoria social costuma ser atribuída ao sucesso das políticas sociais dos governos, particularmente da Bolsa Família implementada pelo governo do PT. Será?

Estudo de Marcelo Neri para o período de 1992 a 2007 mostra que a contribuição da Bolsa Família para o crescimento da renda domiciliar per capita no Brasil foi muito pequena, apenas 0,93%. De acordo com o atual presidente do IPEA, o principal determinante da elevação da renda foi o aumento do salário real dos trabalhadores, responsável por 71,16% do resultado. O aumento do salário mínimo ao longo dos anos ajudou mas não foi o principal fator, basta considerar que, ainda segundo Neri, a parte da Previdência social vinculada ao salário mínimo contribuiu com apenas 6,73% para a elevação da renda, muito mais que o Bolsa Família mas muito menos que os salários definidos pelo mercado de trabalho.

O determinante central da elevação da renda e da redução da pobreza e das desigualdades sociais no Brasil foram as mudanças demográficas – o mercado de trabalho muito mais que o Estado e suas políticas – desequilibrando as relações em favor dos trabalhadores. O fenômeno estrutural – subterrâneo, silencioso e pouco visível – de profunda transformação nos padrões demográficos, que decorre da drástica redução da fertilidade, está na raiz das melhorias sócias no Brasil.

Desde 1991, a PIA-População em Idade Ativa no Brasil (acima de 15 e a abaixo de 65 anos) vem crescendo a taxas fortemente declinantes: de 2,6% ao ano (de 1991 a 2000), caiu para 1,9% nos cinco anos seguintes (2000/2005) e para apenas 1,2%, de 2005 a 2010. Mesmo considerando que parte desta população apta para o trabalho não busca emprego, é deste segmento etário que emerge a oferta de mão de obra no país. Tamanha redução no ritmo de expansão da PIA explica o aparente mistério de queda do desemprego em um período de modesto crescimento da economia (3,2% no mesmo período): a oferta de mão de obra cresce bem menos que a demanda, o que promove também o aumento do salário real do trabalhador. Para utilizar um conceito de Marx, o “exército industrial de reserva” vem declinando de forma acelerada no Brasil, retirando a pressão para baixo que exerce na formação dos salários.

Ao longo do período (1991/2010), enquanto a população apta para o trabalho crescia cada vez menos, a economia melhorava aos poucos o seu desempenho. No último quinquênio (2005/2010), quando a população ativa cresceu apenas 1,2% ao ano, o PIB-Produto Interno Bruto registrou uma expansão de 4,5% ao ano. Nenhum “espetáculo de crescimento”, é verdade, mas suficiente para gerar um aumento da demanda de mão de obra bem superior ao baixíssimo crescimento da oferta de mão de obra. E como a produtividade do trabalho praticamente estacionou no Brasil, o desemprego caiu e os salários reais cresceram pelo jogo do mercado de trabalho, independente de políticas.

A esta alteração na estrutura etária da população do Brasil corresponde uma drástica diminuição da fecundidade (número muito menor de filhos) e, como decorrência, do tamanho médio das famílias brasileiras. Em 1991, as famílias brasileiras tinham, em média, 2,9 filhos (eram 5,3, em 1970), declinando para 2,4 em 2000, e apenas 1,9 filhos, em 2010, o que corresponde a famílias com média de apenas 3,3 membros. Nestas últimas décadas, segundo o demógrafo mineiro José Alberto Magno de Carvalho (matéria da Piauí nº 80), a redução da fecundidade e do tamanho das famílias foi mais acentuada na população pobre, mesmo porque este movimento já tinha ocorrido antes entre os mais ricos. De modo que a renda domiciliar per capita entre os pobres cresceu mais que na média da população, na medida em que o denominador da relação – tamanho da família – despencou ao mesmo tempo em que o salário real também cresceu. Esta mudança no tamanho das famílias na população mais pobre, precisamente onde as famílias eram mais numerosas, explica também a diminuição das desigualdades sociais no Brasil.

Como resultado destes dois movimentos – aumento do salário real e redução do tamanho das famílias – a renda domiciliar per capita cresceu bastante (maior renda para menos pessoas na família), levando ao declínio da pobreza e das desigualdades de renda. O silencioso processo de mudança demográfica levou à melhoria dos indicadores sociais independente das políticas sociais. O problema é que este movimento não aparece visível nem é propagado pela máquina de construir mitos dos governos que insisti em dizer que o milagre está no programa Bolsa Família e nas transferências de renda. Na verdade, a propaganda oficial vem dando às políticas de distribuição de renda um mérito que pertence, de fato, às mudanças nos padrões demográficos brasileiros. E como o fenômeno demográfico é lento e silencioso, não é perceptível pela a opinião pública permitindo que seja atribuído aos governos e à assistência social o que decorre, de fato de mudanças estruturais e mais profundas na sociedade brasileira.