Marcus Alban (*)

É sempre muito bom ter uma réplica a sua opinião, especialmente quando ela é feita de modo explícito, como é o caso do artigo do Sérgio C. Buarque, “Crise Fiscal e crise moral”, que questiona a minha crítica, expressa no artigo “Muito Além da Lava Jato” (ambos recém publicados nesta Revista), ao ajuste fiscal proposto como solução da grave crise hoje vivenciada pela economia brasileira. Com réplicas assim, somos levados a rever, e ou a aprofundar e explicar bem melhor, os nossos pontos de vista.

No seu artigo, Sérgio, em seu primeiro parágrafo, tem razão quando afirma que eu manifesto “dúvida em relação à necessidade de um ‘penoso ajuste fiscal’ ”. Na verdade, ele poderia dizer, inclusive, que eu sou completamente contra um penoso ajuste fiscal. Mas note-se bem, contra um penoso ajuste fiscal, e não contra qualquer ajuste fiscal, como os seus parágrafos seguintes levam a crer.

Cabe esclarecer, portanto, que o ajuste fiscal que denomino de penoso, e que sou efetivamente contrário, é o ajuste recessivo que, até certo ponto, vem sendo implementado pelo ministro Meirelles, que não é muito distinto do que foi tentado pelo Joaquim Levy, bem como do proposto, nas entrelinhas, pelo Armínio Fraga, enquanto pretenso ministro do candidato Aécio Neves.

De outro lado, talvez eu não tenha me explicado bem mas, de modo algum defendo a tese de que “se deva cuidar da corrupção antes de” se buscar um real enfretamento da crise. Quando falo, “só assim com a purgação do mal, entende-se que o país poderá empreender o ajuste e voltar a crescer”, estou, na verdade, me referindo, de maneira irônica e exclusiva, ao pensamento usual de nossa sociedade, bem como ao seu ranço cristão segundo o qual, quanto maior o sacrifício maior a redenção. Ranço esse bastante utilizado pelos defensores dos ajustes fiscais recessivos.

Mas se não defendo que a corrupção seja cuidada antes, também não defendo que ela seja algo de menor importância, com a qual não devamos nos preocupar. Ao contrário a corrupção é algo de suma importância e, por isso mesmo, é preciso ir muito além da Lava Jato, como busquei demonstrar em meu artigo.

De fato, defendo que a corrupção sistêmica hoje enfrentada é algo bem maior do que o simples desvio de recursos públicos, e que tem grande parte de suas origens primárias no baixo dinamismo apresentado pelo pais desde o Plano Real. O argumento é o de que, sem dinamismo, e, portanto, sem boas oportunidades de investimento e emprego, os agentes econômicos são levados a voltarem suas energias para atividades improdutivas, destrutivas e ilegais, engendrando um círculo vicioso que sufoca e degrada toda a sociedade¹.

Com essa análise, deve ficar claro não estou tirando o mérito do Plano Real enquanto estabilizador de nossa moeda. O Plano sem dúvida foi brilhante, o problema foi que não se avançou após o mesmo, se limitando, para fins de reeleição, a mera estabilização, sustentada por taxas de juros absurdas que sobrevalorizaram o Real, enchendo os banqueiros e rentistas de dinheiro e inviabilizando, via início da desindustrialização, qualquer possibilidade de dinamismo da economia.

Sem viabilizar o dinamismo, os tucanos reelegeram FHC, mas não fizeram seu sucessor, abrindo espaço para o PT de Lula que, de fato, com Palocci e Meirelles, mantém a mesma política macro de juros absurdos adotada pelos tucanos. Mas com o PT, como observa o artigo de Sérgio, o crescimento, ainda que moderadamente volta a ocorrer. Não ocorre, contudo, por causa da política macro, e sim pela política social, que passa a elevar a base salarial bem acima dos ganhos de produtividade, política essa sustentada pela crescente demanda por commodities da economia chinesa. Assim, com importações crescentes, resultantes de um Real ainda mais sobre valorizado, controlou-se a inflação, com o acirramento da desindustrialização.

Claro que uma situação como essa não era sustentável e, assim, tão logo a China desacelerou seu crescimento, o modelo caiu por terra, mesmo “com a irresponsabilidade perdulária dos gastos descontrolados do final do governo Lula e dos anos desastrosos de Dilma Rousseff”. E claro também, com a nova realidade da China, que implica em queda na demanda e preço das commodities, não será com um ajuste fiscal recessivo, como o que se encontra em curso, que superaremos a crise.

Salvo para os banqueiros e rentistas, com os atuais níveis de ociosidade e desemprego, as taxas de juros hoje praticadas, não fazem nenhum sentido. Com elas, não há corte de gastos / elevação de impostos, capazes de conterem as explosivas trajetórias de queda de receita e expansão da dívida pública. É preciso, portanto, virar o jogo, viabilizando a imediata retomada do crescimento.

Naturalmente, como bem coloca o Sérgio, é preciso explicar como fazer essa retomada. Isso, contudo, terá de ficar para um outro artigo. O presente já ficou bastante longo.

(*) Engenheiro, Doutor em Economia pela FEAUSP e Professor do PDGS/EAUFBA.

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¹ Para uma análise mais aprofundada e completa do presente argumento, ver o artigo, “A Degradação da Sócio-Economia Brasileira”, apresentado no XX Encontro Nacional de Economia Política (Foz do Iguaçu, 2015), http://www.sep.org.br/artigos/download?id=2946 .