Sérgio C. Buarque

O nacional-populismo envelheceu e mudou de endereço. Durante grande parte do século passado, o nacionalismo foi a energia que mobilizou milhões de pessoas na luta contra o colonialismo e a dominação imperialista na África, na Ásia e na América Latina. O nacionalismo transformou o mundo, acabando com o sistema de exploração das colonias e neutralizando os mecanismos nem sempre sutis de submissão econômica e cultural das nações pobres. E o populismo surgiu como uma alternativa política mobilizadora do nacionalismo conduzida por líderes carismáticos em países com frágeis instituições e limitada organização da sociedade. Assim, é possível dizer, sem exageros, que o nacional-populismo foi um dos mais importantes movimentos do século XX pela sua amplitude e pela mudança radical das relações entre as nações e a formação de centenas de novos Estados nacionais independentes.

O nacional-populismo emerge agora, em pleno século XXI, em alguns dos países altamente desenvolvidos, como Estados Unidos e Europa, numa estranha e descabida reação ao processo de globalização que tem beneficiado, precisamente, as nações líderes em capacidade de inovação e tecnologia. O nacionalismo e o populismo se deslocaram dos antigos países do Terceiro Mundo para as nações ricas e os antigos impérios coloniais. Neste caso, vão ganhando formas retrógradas e violentas de xenofobia e isolacionismo. Foi este novo populismo com ranço nacionalista e isolacionista que levou à vitória do inominável Donald Trump à presidência dos Estados Unidos e à aprovação do Brexit no plebiscito no Reino Unido e que alimenta a direita da França e outros países da Europa.

O neo-populismo reacionário e anacrônico explora a insegurança e o medo de segmentos da sociedade e da economia destes países que não conseguiram acompanhar as mudanças geradas pela globalização ou ficaram presos aos velhos paradigmas. Como sempre, no discurso populista a culpa das mazelas e fragilidades internas é dos outros, fatores e atores externos, como a concorrência dos países emergentes, especialmente a China, os imigrantes, e a entrada de mercadorias e de trabalhadores estrangeiros. E, no entanto, estes países, especialmente os Estados Unidos, lideraram e se beneficiaram amplamente da globalização, tanto pela abertura comercial quanto pela imigração de talentos de diferentes países e culturas que fertilizam a inovação e o desenvolvimento.

Alimentado pela descarada e arrogante xenofobia, criando inimigos internos e externos e agredindo as outras nações e povos, o neo-populismo dos países desenvolvidos é uma ameaça grave à paz mundial e à própria tranquilidade interna. Foi um fenômeno semelhante de paixões nacionalistas carregadas de ódio e intolerância e exploradas por líderes carismáticos que gerou o nazismo na Alemanha e o fascismo na Itália. Como naqueles trágicos anos do século passado, os neo-populistas acendem o ressentimento dos segmentos mais atrasados da sociedade que viveram anos de glória no passado e não aceitam as mudanças decorrentes da revolução tecnológica e da globalização. Claro que o mundo hoje é muito diferente, nos valores, nas instituições e nas regras internacionais. Mas quando o neo-populismo se instala com toda pompa na maior potência econômica e militar do planeta, tremem os alicerces da ordem mundial.