Alcides Pires

30 de novembro de 2015

Em Mariana, Minas Gerais, uma barragem de lama estourou levando morte e destruição, por centenas de quilômetros, esmagando a natureza já maltratada da região, e levando pessoas ao desespero da perda dos seus pertences e do seu meio de vida. A cena da chegada da onda de lama ao mar, dias depois do desastre, prevista mas inevitável, nos deixou tristes e indignados pelo contraste do verde do mar com o marrom da desgraça.

No Recife, no delta do Capibaribe, produzimos diariamente o nosso desastre e causamos as nossas mortes.  Silenciosamente. Sem manchetes.

Jogamos nossa lama podre em forma de esgoto e nossa incompetência em forma de lixo, todos os dias de todas as semanas de todos os meses, há muitos e muitos anos. O contraste do esgoto contra o rio ainda se vê, mas já não nos causa indignação.

A vida resiste, pobremente, duramente, numa guerra que não tem como vencer.

A indignação já não nos alcança. O esgoto é parte da paisagem, o mau cheiro é parte da caminhada. O lixo passeia ao sabor das marés, num ciclo diário de agressão ao bom senso.

Os caranguejos contaminados se esgueiram pelas margens, desviando de garrafas, cadeiras e restos da nossa incivilidade. Os peixes buscam ar na atmosfera, impedidos que estão de busca-lo na água. As capivaras, que batizaram o rio, hoje são uma curiosidade rara. Um jacaré, outrora parte da paisagem, ocupa lugar de celebridade televisiva quando é visto nas águas que deveriam ser suas.

A nossa insensatez urbana se espanta com Mariana e se acostuma com Recife. Chora pelos 20 mortos em Minas e ignora as centenas que morrem de disenteria às margens do nosso cão cabralino. Grita pelos peixes do Doce, e cala para os chiés do Capibaribe. Protesta pelo Atlântico sujo de lama no Espírito Santo, e submerge aqui o espírito quieto sob a camada de sujeira que escorre das nossas casas.

Aqui não há para onde apontar o dedo. Não haverá quem aporte recursos para uma recuperação demorada. É preciso que um líder proponha e leve a cabo um plano consistente, que sabemos de longo prazo e de resultados lentos, mas que apontem para um futuro melhor. Futuro que só chegará com os primeiros passos dados hoje.

E que levará os nossos netos a verem capivaras e jacarés vivendo na harmonia conflituosa da natureza, com os peixes, cágados, chiés, caranguejos e caramujos ocupando os espaços que compartilhamos.

Sem mais lixo, sem mais esgoto, sem mais mortes silenciosas e ignoradas.