João Humberto Martorelli

Ouvi o pastor. Quem pretenda resistir à religiosidade, esgueirando-se do sistema de doutrinas, crenças e rituais, mas vivendo a própria espiritualidade em busca da felicidade, haverá de vislumbrar a coincidência entre os princípios de todos os cultos e os princípios da vida reta. Precise ou não da religião, tenha ou não fé, o indivíduo não se pode afastar de valores contemplados nas Escrituras: não andar segundo o conselho dos ímpios, não se deter no caminho dos pecadores, nem se assentar na roda dos escarnecedores (Salmos, 1:1). As religiões também ensinam que mansidão, domínio próprio e perdão levam à felicidade. Na vida social e política, também é assim, os mesmos princípios que se aplicam à vida pessoal devem reger as relações entre os diversos grupos sociais e partidos políticos. Nesse contexto, qual a perspectiva cívica de 2016? Deixar de lado ser contra ou a favor do impeachment, ou da cassação deste ou daquele, não esquecendo o problema, mas o colocando no devido lugar, pode ser um bom começo e contribuir para a reflexão. Chama-se desarmar os espíritos e privilegiar o projeto de nação. Destituindo-se, é claro, os ímpios, os pecadores e os escarnecedores do poder, porque aos fariseus cai-lhes bem o chicote. Além disso, como na religião, é indispensável também uma boa dose de fervor. Fervor para revermos décadas de valores materialistas baseados em princípios econômicos, burocráticos, racionais, os quais embalam a classe política e a despejam no Congresso tal como a vemos hoje, autoexcomungada, o próprio Executivo sendo corolário execrável – embora legal e legítimo – do bolo fermentado pela sociedade consumista e centralizada. A Lava Jato é um episódio positivo, mas não lavará todas as mazelas. Não virá de um líder, nem das justificadas prisões, tão somente, portanto, a redenção. Rever valores e princípios, dizer o que queremos, procurar o entendimento, significando as classes sociais, os segmentos individuais, os grupos e categorias, organizados ou não, colocarem na mesa mansamente os interesses de cada um, e discutirem com bom senso e desprendimento um projeto de sociedade civil organizada, notadamente para fiscalizar as ações dos políticos a que destinar os cargos eletivos em todos os níveis, eles, que são o mal necessário para a organização do Estado e da vida em coletividade, diagnosticar a justa política econômica para além do eixo dos subsídios desenvolvimentistas em contraposição à postura neoliberal temporariamente aposentada, isto sim, é plantar a árvore junto ao rio. E se pudermos louvar o bem e o amor, a exemplo da notável ação da ONG Novo Jeito no último dia de 2015, distribuindo rosas e abraços nas ruas de Recife, mais que isso, se nos deixarmos tocar o coração e formos magnânimos, aí sim, teremos um novo ano fervoroso. Que 2016 nos permita voltar a trilhar a senda da sociedade justa e generosa, afastando os ímpios, os pecadores e os escarnecedores. Feliz Ano Novo, leitor.