Editorial

Alguns milhares de britânicos, com bandeiras, cartazes, tambores, cornetas e fantasias – em mais de um sentido –  assistiram, em telão na frente do Parlamento Britânico, a derrota histórica da Primeira-Ministra Theresa May dia 15 de junho, quando foi rejeitada sua proposta de “Brexit”, o acordo que ela levou dois anos negociando com a União Europeia para retirada do Reino Unido. May conseguiu ficar no cargo, pois conservadores (mesmo uma centena dos mais radicais que votaram contra o seu acordo) têm apoio do Partido Unionista da Irlanda do Norte e derrotaram a moção de desconfiança apresentada pelo líder da oposição trabalhista, Jeremy Corbyn. O clima pós-votos é sombrio, divisões se agravaram, predomina a incerteza diante do risco real de uma amputação caótica.

O Parlamento, em mais uma polêmica, deu três dias de prazo para que May apresente um novo acordo. Mesmo que a reformulação seja em consulta com líderes de outros partidos e não apenas para aplacar conservadores pró ruptura radical, é praticamente impossível uma aprovação no Parlamento Britânico e uma modificação significativa ser renegociada na UE e aprovada pelos 27 países membros até a data limite legal de dois anos, que expira no próximo 29 de março. O trabalhista Corbyn, da tendência socialista, já recusou conversações com a Primeira Ministra. Desde o referendo sabe-se de sua ambiguidade: quer liberdade da UE para aplicar suas propostas de reestatização em vários setores, mas sua demagogia vai até onde dá para manter seu eleitorado que é majoritariamente pró União. Dali não sai proposta de acordo. Por ora, a única proposta existente é a que foi rejeitada. Muitos defendem, dentro e fora do país, um novo referendo, ainda que certeza do resultado não exista. May pode fazer pedido à UE de prorrogação do prazo, igualmente de resultado incerto, com a complicação adicional de que em maio haverá eleições para o Parlamento Europeu, e os assentos britânicos já foram redistribuídos.

Desde o referendo de junho de 2016 foi se desfazendo a ilusão de “Brexit” sem custo. Publicaram-se várias estimativas do impacto sobre a economia, produtividade, consumo, emprego, mercado imobiliário, sobre o centro financeiro de Londres, sobre arrecadação de impostos. Podem ser resumidas como um Reino mais pobre e com maior dificuldade de transferência de recursos para áreas que delas dependem, como a Irlanda do Norte. E um Reino mais desunido. Esse é um aspecto que não recebeu atenção na campanha do referendo, mas emergiu agora, pois “Brexit” implica fechar a fronteira entre a Irlanda do Norte que, como parte do Reino Unido, sofreria “Brexit”, enquanto a Irlanda permanece na União Europeia. O fantasma da passada violência entre unionistas e os nacionalistas de Sinn Fein assusta, enquanto muitos cidadãos britânicos da Irlanda do Norte tratam de obter passaporte irlandês. Na Irlanda do Norte, o resultado do referendo de 2016 foi favorável à permanência na UE. Juristas já chegaram a especular se não seria possível a opção, legalmente inexistente, de “Brexit” apenas para a Inglaterra e o País de Gales (onde nacionalistas galeses por ora não passam de uns 20%), deixando a Escócia e a Irlanda do Norte na União Europeia. Está evidente que “Brexit” reforça o separatismo no interior do Reino, e um novo referendo na Escócia não teria o mesmo resultado com o Reino Unido fora da UE. Os perigos do desmembramento voltaram à agenda.

Triste dia” foi o título do Editorial de 24 de junho de 2016 da Será? quando saiu o resultado do referendo em que venceu por 52% a 48% o nacionalismo isolacionista das fronteiras fechadas. Mostrou um reino dividido, com falsa imagem de si mesmo como potência global manietada por pequenos países europeus. Resultado da demagogia no jogo pelo poder, em que líderes de todos os partidos insistiram por décadas no discurso que deposita lá fora, em Bruxelas, a culpa dos males do Reino Unido. A ilusão de que era possível tirar o Reino Unido da Europa sem custo foi desfeita. Sobrou o caos em um país teimosamente paralisado pela indecisão, enquanto a União Europeia espera que os britânicos decidam, afinal, o que é que querem.