Sérgio C. Buarque 

A Venezuela está em crise, grave crise. Mas o discurso ufanista do governo bolivariano apresenta outro país ou simplesmente responsabiliza os outros (oposição, imperialismo, mercado e imprensa) pelas mazelas que não pode maquiar e esconder. O abismo que separa a versão governamental da realidade da Venezuela é o que mostra artigo do sociólogo e intelectual venezuelano Ignacio Ávalos publicado no El Nacional neste 12 de fevereiro (antes das manifestações e da violência política em Caracas). Numa tradução livre ele comenta: “Dizem que avançamos no caminho da soberania alimentar, mas a realidade mostra que serão gastos milhões de dólares em importações porque, do contrário, não comeremos. Que houve avanços notáveis na diversificação da economia, mas os fatos mostram que nunca dependemos tanto do petróleo. Que está sendo implementado um novo  modelo econômico e, no entanto, a realidade afirma que temos apenas um vulgar capitalismo de Estado. Que nos orgulhamos do bolívar forte quando, na verdade, a economia gira em torno do dólar paralelo. Que nossa democracia é um exemplo no planeta e a realidade denuncia que, ao contrário, o poder não tem contrapesos institucionais. Propaga-se a honradez socialista, mas a realidade diz que a corrupção cresce como alface. Que a classe operária é a vanguarda da mudança, quando a realidade demostra que continua crescendo a burguesia socialista. Que apontamos em direção ao século XXI, porém a realidade diz que estamos politicamente mergulhados em  velhas ideias, deixando de lado as reflexões feitas pela esquerda após a queda do muro de Berlim”.

O fato é que os governos populistas, assim como os partidos e governos salvacionistas, não só na Venezuela, não têm qualquer compromisso com a verdade. E se os fatos se rebelam, que os prendam, ora, porque devem estar a serviço da burguesia, do neoliberalismo e do imperialismo americano. Ou então amordacem os meios de divulgação que ousam dar voz aos incômodos e teimosos fatos. Se a inflação dispara e não é suficiente maquiar os números para esconder o que os cidadãos sentem nas compras, basta encontrar um inimigo e reprimir o mercado, esta invenção demoníaca.

A Venezuela vive uma grave crise econômica, resultado de voluntarismo na condução da política macroeconômica, típica de governos populistas que acham que podem tudo com o grito. A inflação, o desabastecimento e o mercado negro (de mercadoria e de dólar) desorganizam a economia e corroem o poder de compra das famílias, combustível que acelera a insatisfação da sociedade. O desequilíbrio econômico e a insatisfação social acentuam o confronto político, chavismo e anti-chavismo, numa violenta disputa de desdobramentos imprevisíveis.

O presidente Nicolas Maduro, populista sem nenhum carisma que recorre ao fantasma de Chavez para sobreviver, continua lavando os seus erros com o “detergente ideológico”, na expressão utilizada por Inácio Ávalos, e jogando a culpa do próprio fracasso na oposição e no inimigo externo, o perverso imperialismo americano, ou criminalizando a imprensa portadora das más noticias. Este desgastado e anacrônico “detergente ideológico” ainda confunde muita gente mundo afora, incluindo muitos brasileiros sérios e honestos que, olhando a Venezuela de longe, preferem se orientar pelo velho palavreado, tão agressivo quando ingênuo, do bolivarianismo.