Recorte da capa do livro de Fernando Dourado - Nos passos de Fiszel Czeresnia e outras estórias.

Recorte da capa do livro de Fernando Dourado – Nos passos de Fiszel Czeresnia e outras estórias.

Conversa com Tamara Czeresnia sobre o lançamento de um livro que nasceu na Será?

P– Fernando, eu me considero leitora assídua da revista eletrônica Será? Na qualidade de filha de Fiszel e de sua amiga de anos, queria saber como é que algumas histórias da Será? evoluíram para livro?

R– Vou te contar uma coisa, Tamara. Comecei a ser colaborador da Será? um pouco por acaso. Meu primeiro texto foi sobre a chacina dos jornalistas da Charlie Hebdo e, logo em seguida, seu pai faleceu, no fim de fevereiro de 2015. Eu estava em Paris e queria falar sobre ele. Então me ocorreu um texto jamais publicado, que eu escrevi quando ele fez 85 anos, lembra? Escrevi-o depois que visitei Stopnica, a cidadezinha dele na Polônia. A Será? publicou e teve grande repercussão. Então me empolguei com a revista e passei a ser colaborador regular.

P– Eu lembro bem de sua viagem. Ela marcou um pouco as festividades da família naquela época porque meus tios que moram em Israel também estavam presentes a leram a história. E as outras estórias?

R– O livro começa com “Raízes de um desterrado” em que falo de minha relação com Garanhuns, meu torrão natal, lá em Pernambuco. A Será? recebeu-a com a boa vontade de sempre e fiquei feliz em constatar que minhas memórias da cidade batiam muito com o sentimento de alguns leitores da revista. Talvez tenha sido depois dessa publicação que a ideia de livro me passou pela cabeça pela primeira vez. Isso porque havia um fio condutor entre as histórias. E este era o do desenraizamento, da expatriação voluntária ou compulsória.

P– Voltando um pouco à seara judaica que te é tão cara, vi que temos mais dois capítulos sobre Israel e experiências no kibutz. É por isso que temos uma capa de um judeu potiguar, no caso o Abraham Palatnik?

R– Participo de uma roda divertida de literatos nas raras sextas-feiras em que estou em São Paulo. À frente dessa confraria, pontifica meu querido amigo Evandro Affonso Ferreira, um escritor de tempo integral, muito premiado e referência para quem gosta de literatura. Pois bem, foi ele que, ao ouvir um relato meu sobre as experiências em Israel, sugeriu escrever a respeito. Leo Lama e Marcelo Girard fizeram coro e me animei. Por intuição, eles captaram que era um tema de interesse universal. Assim nasceu “Cem dias na terra do leite e mel”. Depois, “Ó, Jerusalém”, um aprofundamento.

P– Mas volto à pergunta anterior. E a capa?

R– Esta eu devo aos bons ofícios de meu agente, o Marcelo Laier. Sei aliás que não é comum que se trabalhe com agentes no Brasil. Mas desde que o conheci, sabia que se tratava de uma pessoa que concebia o livro como um produto maior. Além de apurado bom gosto, é um camarada culto. Quando se deu conta de que o judaísmo permearia o cenário de fundo, foi atrás do Palatnik e se saiu com uma capa bonita e intrigante. Quando eu soube que Palatnik morou em Israel, foi mecânico do exército, entendi o alcance da visão não trivial do Laier.

P– Voltando aos textos, gostei muito de um que trata de sua primeira viagem aos Estados Unidos. É interessante que a Será? tenha desde cedo aberto portas para uma temática tão pessoal e diversificada, não é?

R– Vou te dizer uma coisa, Tamara. Logo que comecei a receber a revista, achei que não tinha espaço para mim. Ora, o debate político nesse último biênio esteve efervescente. E Pernambuco, onde a revista é nuclearizada, respira política 24 horas por dia. É o último bastião do mundo onde ainda existe esquerda e direita segundo os padrões consagrados na Guerra Fria. Tem intelectual robusto que denomina progressista a ação de espoliar o Estado, contanto que o meliante porte o crachá certo. Mas então vi que Será? era diferente do resto.

P– Mas você sempre adorou política, até onde sei.

R– Claro, claro. Isso vem de longe também. Tive muitos políticos na família. Ocorre que tem outras coisas que são mais importantes do que apostar num modelo que, sabemos, tende ao esfacelamento. A sociedade civil se concertará para prescindir dessas figuras nefastas que pairam sobre nós. Não concebo amigos brigarem por causa de Cunha ou Pimentel. O futuro nos mostrará que é colossal perda de tempo discutir as falcatruas desse ou daquele sacripanta. Nossas vidas são curtas. Temos que espraiar os horizontes em outras direções também. E viagens integram o pacote.

P– É isso aí, você sem suas viagens talvez não tivesse o mesmo tônus criativo, não é? É legal que a revista tenha acolhido isso.

R– Claro, Será? sempre me deixou as portas abertas. Teresa Sales é uma intelectual de gabarito que ama a evasão. Sergio Buarque é economista de quatro costados, mas um homem de profunda veia humanística e volta e meia nos brinda com contos deliciosos. João Rego, engenheiro de mil instrumentos, tem na formação psicanalítica a pedra de toque do grande charme. Clemente Rosas é escritor de verdade e Fernando da Mota Lima é multi-ferramentado, sempre sorridente, e tem uma paciência monástica para com a estultice alheia. Dei sorte.

P– Parabéns. Você nunca foi um modelo de constância em seus afetos, até onde sei.

R– Você é das poucas pessoas que não podem dizer isso de mim.

P– Estou brincando, mas não deixa de ser uma relação longeva. Vejo que você chega a 45 artigos publicados em Será?

R– É claro que à medida que fui me acostumando ao texto maior, cheguei até a abusar da boa vontade dos leitores. O padrão telegráfico do Facebook engessa os melhores ensaístas hoje em dia. Mas na Será? descobri que tem gente que aprecia uma história maior, desde que bem contada e bem tramada. É claro que fizemos adaptações do texto da revista para o formato de livro. Ademais, tenho uma linguagem naturalmente meio empolada e volta e meia meu agente e revisor apontava formas barrocas de me expressar. Enfim, destravamos o texto.

P– E as demais estórias?

R– Temos várias, Tamara. Se há um fio condutor comum às narrativas é possivelmente a questão de pertencimento que me é tão cara. Mas temos passagens para todos os gostos. Hungria, Iugoslávia, Egito, Israel, Paquistão, Itália, Polônia e assim por diante.

P– Quais os planos doravante?

R– Suar a camisa e partir para conquista de um público leitor, o que nunca aconteceu até hoje. Minha vida foi muito pautada pelo comércio internacional, por sair abrindo portas nos quatro cantos do mundo para exportar os bens de nossa indústria. Agora a busca é menos hard, mais soft, portanto. Vou conseguir? O tempo dirá. Mas me empolga ser editado por uma casa portuguesa. A Chiado é uma editora europeia e assumiu o compromisso de traduzir o livro em mais duas línguas até medos de 2017. Para mim, internacionalização é o ar que respiro.

P– Mazal tov. Imagino que você vá lançar o livro também no Recife. Já tem data?

R– Sim, lanço na Cultura da Paulista no dia 29, quinta-feira. Depois em Porto Alegre, no dia 04 de outubro e, finalmente, no Recife, no dia 6 de outubro, no paço da Alfândega. Depois teremos dois lançamentos em Portugal em 18 e 20, em Lisboa e no Porto respectivamente. No dia 14, lançamento na livraria luso-brasileira de Paris, com debate com a psicanalista Mônica Zilbovicius, que conheceu bem seu pai, e a presença de meu amigo, o Embaixador Paulo de Oliveira Campos.

P– Diversão muita pela frente, hein?

R – Graças à Será?, Tamara. Estar à altura do calendário que eles me deram e tentar sempre dar o melhor de mim ajudou a estruturar o tempo. Graças à revista, fiz mais amigos. Dia desses me ocorreu que quando era jovem, tive vida corporativa intensa. Valorizava as pessoas, mas achava que o estoque de conhecidos não se esgotaria nunca. Hoje entesouro as amizades. O livro será essa esquina de renovação, como já disse. Essa é a ambição maior que tenho. É claro que quero que venda muito.

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