Teresa Sales
11 de maio de 2015

Peça do Museu do Ouro, Bogotá, Colômbia.

Peça do Museu do Ouro, Bogotá, Colômbia.

Conhecer a Colômbia era um velho sonho, desde que fui capturada por Gabriel Garcia Marquez, de quem li primeiramente sua obra maior, “Cem anos de solidão”, e daí segui lendo todos os seus livros traduzidos para o português. Nas primeiras viagens à América Hispânica comprei alguns exemplares em espanhol. Levei para me acompanhar na Colômbia “Del amor y otros demonios”, cuja história se passa em torno do Convento das Clarissas em Cartagena de Indias.

Bogotá para mim era a passagem obrigatória para chegar a Cartagena, terra do grande escritor. Não sabia que a cidade nos reservava tão boas surpresas. A primeira delas foi o bairro onde nos hospedamos, na zona norte, a mais rica. Ali fizemos caminhadas por calçadas impecáveis, com mulheres e homens elegantes circulando nos centros bancários e de comércio que se intercalam entre as moradias em casas e edifícios com alturas limitadas a poucos andares. Noite deslumbrante na Zona T. E parques, muitos parques limpos e bem cuidados.

Bogotá lembra um pouco a cidade de São Paulo, não na sua configuração geográfica e de sítio urbano, senão na de sua população. Nascida Santa Fé de Bogotá em 1538, atraiu no século passado migrantes de todas as partes do país, em função da industrialização da década de 1940. Floresceu culturalmente nos anos cinquenta e hoje conta com uma população de cerca de sete milhões de habitantes. O pequeno microcosmo por onde circulamos e nos comunicamos com as pessoas deu mostras dessa marca da cidade como centro de atração dos migrantes internos.

A nós, turistas, o que mais nos encantou, porém, foi o toque de cortesia dessa população miscigenada.

A segunda surpresa boa foi o Museu do Ouro. Talvez pelo nome (o do  museu de Antropologia da cidade do México diz melhor a que veio), eu não fazia ideia da sua riqueza cultural. Além de preservar adereços e utensílios das sociedades pré-hispânicas, reproduz a história da civilização e um legado das culturas antigas pela exploração e utilização do ouro e outros minerais preciosos.

Depois de percorrer os quatro andares de um museu impecável, ouvi no autofalante que haveria um recorrido guiado. Juntei-me ao pequeno grupo de jovens, um  peruano, um chileno e os sete demais colombianos. A guia, uma morena bonita, alegre e com qualidades de professora, explicou o simbolismo utilizado pelas tribos antigas, baseado em uma cosmologia em que todo o universo está assentado em três níveis conectados e interdependentes: o mais baixo, representado pelos peixes; o intermediário, pelo jaguar; e o mais alto, pelos pássaros. Através desses níveis o cacique se comunicava com os deuses para tomar todas as decisões importantes para a comunidade e para prever eventos futuros.

Defronte de algumas das vitrines, Maria nos decifrou adereços e o que representavam desses três níveis da cosmologia indígena. Para conectarem-se com as distintas dimensões, os caciques deveriam adornar-se com peças confeccionadas em ouro, como brincos, colares, narigueiras e roupas, com o intuito de receber os poderes divinos do mundo superior. A semelhança das peças com um pássaro ou com o tão cultuado jaguar não é tão evidente ao primeiro olhar, senão com a explicação de nossa guia.

A sala das oferendas é a mais bonita e tem um toque mágico pela música e pela iluminação. O ritual da oferenda aos deuses lembra a nossa conhecida cerimônia de cadomblé, porém ali com um significado especial: para os povos pré-hispânicos: as oferendas eram o meio de restaurar o equilíbrio nos momentos de caos. Esse ritual, o “El Dorado”, acontecia entre os povos da sociedade Muisca, que entre 600 d.C e 1.600 d.C. habitaram a região norte da Colômbia. Ali, ouro e esmeraldas eram lançados às águas da Lagoa de Páramos pelo mais poderoso cacique acompanhado de seus sacerdotes, como presente para os deuses. É nessa parte do museu que está a “balsa da oferenda” como representação daquela cerimônia, totalmente trabalhada em ouro puro.

Das salas do museu, demorei-me mais na das plantas mágicas: o yopo, um potente alucinógeno extraído da árvore Anadenanthera e outras plantas dos deuses como o tabaco, a coca e o yagé. E fiquei fascinada com a descrição de alguns rituais. Com uma “segunda pele” composta de adornos, pinturas e roupagens, os dançantes ingressavam em outra realidade e temporalidade. Percebiam o mundo com olhos de crocodilo, colibri, planta, ancestral e divindade. Mulheres-ave, homens-vampiro e homens-serpente revelavam um universo de transmutações. Como homem-vampiro a pessoa observava o mundo ao contrário; como mulher-ave, transcendia a outras dimensões do cosmos. Ao cobrir-se com ouro, o cacique se apropriava das forças seminais e procriadoras do sol. Encarnava nesta terra os poderes dessa deidade do mundo superior.

O museu do ouro é considerado o maior em seu gênero no mundo e verdadeiro ícone da cidade de Bogotá. Ademais de ter uma organização impecável, o acervo é enorme e, em sua maioria, de objetos em ouro, como sugere o próprio nome do museu. Ouro que para aqueles povos ancestrais era a própria representação da deidade superior do sol.

Saindo do museu circulamos pelas ruas dessa parte antiga da cidade, a Candelária, onde igrejas e monumentos, tal como em tantos outros centros históricos de nossa latino-américa, estão no meio do povo pobre, uma paisagem bem diversa do bairro El Chicó onde nos hospedamos.

 

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