Sérgio C. Buarque

Depois de dois dias de reunião, a Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz da CNBB-Conferência Nacional dos Bispos do Brasil emitiu um comunicado (19 de outubro de 2016) no qual afirma que as reformas (trabalhistas, do Ensino Médio e da Previdência social) e a PEC-Proposta de Emenda Constitucional 241, que define um teto para as despesas públicas da União, “colocam em risco os direitos sociais do povo brasileiro, sobretudo dos empobrecidos”. Depois de publicado no site oficial da CNBB até domingo, o comunicado foi retirado, o parece indicar que a alta direção da instituição não aprova o seu conteúdo.

Para emitir tal opinião, os doutos senhores da Igreja Católica devem ter analisado e estudado a fundo as propostas de reforma e seus impactos, em dois dias de longas reflexões. E, no entanto, os bispos ignoram ou não entenderam a complexidade da realidade econômica e fiscal do Brasil e, pior, simplificaram e distorceram os conteúdos das propostas. Não é verdade que a PEC 241 “estabelece teto nos recursos públicos para as políticas sociais”, como afirmam na nota. Já foi mais do que esclarecido, e qualquer leitura do documento deixa claro, que se trata da manutenção constante do valor total do orçamento, e não de cada um dos seus itens e rubricas, como as políticas sociais. Ignorância ou má-fé, duas coisas inaceitáveis para um conselho de honrados e destacados dirigentes da Igreja, servem mais para confundir a opinião pública e favorecer interesses corporativos que ajudar nas decisões políticas.

O que está comprometendo os direitos sociais no Brasil, senhores bispos, não são as medidas propostas pelo atual governo, mas a crise econômica e o desmantelo fiscal herdado do anterior: recessão econômica, 12 milhões de desempregados, e o descontrole dos gastos públicos que restringiu drasticamente a capacidade fiscal do governo. Sem um duro ajuste fiscal (que inclui a contenção dos gastos), o Brasil afunda, o desemprego cresce e a inflação volta, corroendo o poder de compra precisamente dos pobres.

É estranho, para dizer o mínimo, que os bispos rejeitem a reforma do Ensino Médio, que pretende melhorar a educação, com a redução do excessivo número de disciplinas e a ampliação da carga horária, acompanhadas do aumento dos recursos públicos federais. Qual a ameaça aos direitos sociais dos brasileiros? E a previdência, deviam saber os bispos, compromete já um quarto do orçamento da União (2015) e tende a subir continuamente, com o acelerado envelhecimento da população. E o sistema é injusto e desigual. Na previdência do servidor público, apenas 1,3 milhões de aposentados e pensionistas recebem uma média de R$ 8 mil reais (dez salários mínimos) de benefícios, e provocam um déficit de R$ 72 bilhões de reais (em 2015). Quem paga essa conta? Será que a Igreja Católica estaria disposta a pagar impostos para cobrir este déficit e contribuir para o alívio fiscal do Brasil?

Se é limitado o espaço da racionalidade na disputa política, menor ainda será quando se juntam política e religião, movida esta pela fé, e não pela razão. O comunicado da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz da CNBB exagera no apelo emocional, político e religioso, recorrendo a uma dramática exortação do profeta Amós, que reproduz o enfadonho e perigoso maniqueísmo do PT-Partido dos Trabalhadores: os bons e justos esmagados pelos maus e perversos, que devem agora remendar o desmantelo que criaram na economia e nas finanças públicas, com seus impactos negativos nos direitos sociais. Com essa nota, os bispos confundem mais ainda o tumultuado ambiente político do Brasil, e não ajudam em nada no debate de ideias, e na busca de alternativas para enfrentar a crise e promover o futuro do Brasil.