Elimar Pinheiro do Nascimento

Quem disser que previu as manifestações destes últimos dias, na envergadura que elas assumiram, provavelmente está mentindo ou se auto enganando. Havia indícios claros, como a exaustão do modelo de crescimento econômico (PIB ínfimo); o retorno da inflação (acima de 10% no setor alimentar) e o aumento da inadimplência. Estes fatores se constituiram em ameaças reais à ascensão, e consolidação, da classe média. Mas, todos juntos constituem apenas uma base econômica que não explica o fenômeno social.  Devem estar presentes, mas são insuficientes.

Há um segundo conjunto de variáveis a considerar. A conjuntura política tem sido marcada por sinais de desprezo das autoridades públicas e dos políticos aos sentimentos do eleitor. As eleições de Renan para o Senado e Marco Feliciano para a Comissão de Direitos Humanos foram considerados um acinte por parte da opinião pública. No caso do primeiro, houve 1,3 milhão de assinaturas contra sua eleição. Mas, há muito mais: a desfiguração do Código Florestal, as ameaças à ficha limpa, as tentativas de cerceamento da ação do Ministério Público, a iniciativa da base política do governo para impedir a criação do partido da Marina Silva (Rede Sustentabilidade), as manobras para eliminar as decisões do STF quanto ao mensalão, e, finalmente, para ficar entre os mais notórios, a ostentação dos gastos com a Copa. Para esta há recursos, planos, metas, responsávies, cobrança e resultados. Mas, para a saúde, a segurança pública, os transportes e a eduação, não existem recursos, nem planos, e, sobretudo, não existem resultados.

As autoridades públicas e os políticos esquecem que os brasileiros aumentaram sua escolaridade e renda nos últimos vinte anos. Consumidores mais instruídos são mais exigentes quanto à qualidade da gestão e à entrega dos serviços públicos. Essa exigência se agrava quando se desenha uma ameaça à ascensão social.

Um elemento específico da sociedade civil organizada contribui para a configuração que as manifestações assumiram: grande parte foi cooptada pelo governo. Sindicatos, movimentos sociais, Ongs e organizações diversas “ingressaram” no governo Lula/Dilma ou dele recebem financiamento, credenciamento para execucao de politicas públicas. Assim, novos movimento se constituem para exprimir o que estes movimentos não mais o fazem . Os partidos políticos o fazem ainda menos, despidos de representatividade orgânica.

As manifestações têm características muito similares às de outras partes do mundo, para não nos permitir dizer que é genuinamente brasileiro. As manifestações da Primavera árabe, passando pelos indignados da Espanha ou do movimento contra Wall Street, para não citar os recentes protestos na Turquia, têm todos traços similares às nossas manifestações: feição apartidária; papel central das redes sociais na mobilização; composição predominantente jovem; sem lideranças claras; e, finalmente, reivindicações mais ou menos difusas. Ao estopim do aumento das tarifas de ônibus se somam os protestos contra os gastos ostentatórios nas Copas, contra a Pec 37 que cercea a ação dos MP, por melhores serviços públicos, contra a corrupção e a ineficiências das instituições.

As manifestações têm múltiplos significados, mas um deles sem dúvida é que elas representam uma reação ao desprezo pelo cidadão por parte das autoridades públicas e dos políticos. Saberão estes reagir corretamente?